Tirambaço: substantivo masculino; Chute violento em direção ao gol (Brasil)

Naquela noite, a Luz estava cheia. Engalanou-se para o adeus a um herói. E acreditem, Michel vestiu muitas vezes a capa e nem sequer se imagina o que teria sido do Benfica sem ele, nos últimos anos da década de 1990. 

O último lance da carreira do super-herói belga não foi uma defesa extraordinária, uma saída a um cruzamento ou sequer um golo sofrido. Foi um pontapé para fora, num jogo de pré-época, frente a uma equipa combalida pelo que lhe acontecera meses antes em Barcelona frente ao ManUtd. O Bayern era um gigante à medida da despedida do belga, já o substituto, Bossio, ficou muito aquém: nesse jogo e na história do clube da Luz.

Naquela noite, Alvalade estava longe da lotação. Saído do outro lado da história da mais famosa final perdida pelo Bayern, chegava um gigante. Quim Berto foi o penúltimo nome a ser chamado e, com todo o Sporting alinhado no palanque, o speaker anunciou o dinamarquês. Peter Schmeichel, o número 1, era ainda maior ao vivo. Tanto mais que na festa de apresentação aos sócios o colocaram lado a lado com o camisola 2 da equipa: Quim Berto.

Dois anos e um campeonato depois, o Great Dane despediu-se do Sporting. Não o fez com novo título nas mãos, nem com uma defesa soberba. Também não se despediu em campo, aos berros com os companheiros. Pelo contrário. Saiu agradecido, mas sem querer exercer a opção que tinha no contrato, por mais uma época, e voltou a Inglaterra para representar Aston Villa e Manchester City.

Três dias e um par quilómetros separam o primeiro jogo de Schmeichel em Portugal (7 de agosto) e o último de Preud'homme (dia 10). Os melhores estrangeiros que passaram pelas balizas nacionais. Quase sempre um foi melhor do que o outro, consoante a cor clubística de um qualquer interlocutor.

Os dois terminaram a carreira aos 40, a mesma idade que serve de meta a Casillas no FC Porto. A passagem de Schmeichel é vista como a de um vencedor pelo título de campeão nas duas épocas que cá passou. Preud'homme venceu uma Taça de Portugal e isso parece curto pela qualidade que tinha e pelos anos que esteve no país.

Iker Casillas tem currículo de Peter e alcunha de (‘Saint’) Michel. Já fez mais do que o suficiente em Portugal para que se lhe recorde com êxito o que fez no FC Porto como se recorda o dinamarquês. Mas mesmo que termine a passagem pela Invicta ‘apenas’ com o que conquistou até agora, ou que o último lance da carreira seja um simples pontapé para fora, num particular qualquer de pré-época, o espanhol merece do Dragão uma ovação como a do belga naquele 10 de agosto de 1999, na Luz.

Merece, também, que se alargue ao azul e branco o debate sobre quem, no que fez em Portugal, foi o melhor estrangeiro a ocupar uma baliza. E se alguém entre portistas,e fora deles, duvida do que pode valer Iker nos próximos anos, que se aconselhe com Preudhomme...e se lembre que, provavelmente, pelo que se viu de Bossio, talvez tivesse sido melhor o belga não ter chutado a bola para fora naquela noite de 10 agosto de 1999...

O Tirambaço é um espaço de opinião do jornalista Luís Pedro Ferreira. Pode segui-lo no Twitter.

[artigo originalmente publicado às 23h54, 18-03-2019]