PLAY é um espaço semanal de partilha, sugestão e crítica. O futebol espelhado no cinema, na música, na literatura. Outros mundos, o mesmo ponto de partida. Ideias soltas, filmes e livros que foram perdendo a vez na fila de espera. PLAY.

SLOW MOTION:
«Barba, Cabelo e Bigode» - de Lúcio Branco

O muro do Botafogo é um lugar sagrado na zona de General Severiano, zona sul do Rio de Janeiro. O altar da Estrela Solitária eleva as gravuras de Mané Garrincha, Nilton Santos, Didi, Jefferson, Loco Abreu e outros monstros sagrados do emblema carioca.

Rumei, em reverente peregrinação, ao mural em agosto passado, mês de Jogos Olímpicos. Escutei a sabedoria do guia João Cláudio, enciclopédia humana do futebol brasileiro, e abri a boca de espanto perante a riqueza de histórias. Um almanaque bíblico de futebol.

Nesse passado de glórias há espaço também para os nomes de Afonsinho, Paulo Cézar Caju e Nei Conceição. Eles são Barba, Cabelo e Bigode, representantes do Fogão no recente filme de Lúcio Branco.

A película recupera o pestilento período da ditadura militar no Brasil e a relação promíscua entre os coronéis e os clubes de futebol. Os atletas, peças menores num organismo doente, tinham poucos direitos e excessivos deveres. Uma realidade antagónica à do presente.

Afonsinho, Caju e Nei tornaram-se figuras subversivas. Praticaram conscientemente a desobediência civil, abraçaram o desejo pela democracia através de comportamentos simbólicos, nem todos subtis.

Uma viagem encantada a uma fase de sanha persecutória no nosso país irmão.

PS: «Negação» – de Mick Jackson
«O Holocausto não existiu.» O filme, assente em relatos verídicos, nasce desta afirmação do insuportável professor David Irving, interpretado pelo brilhante Timothy Spall.

Spall, de resto, enche o trabalho do realizador Mick Jackson, através de uma interpretação tão irritante quanto inspirada.

Rachel Weisz, na pele da historiadora Deborah Lipstadt, é a sua opositora e a voz da razão e da verdade.

Um dos produtos mais interessantes neste abril de cinema.



SOUNDCHECK
«É um jogo» - dos Mão Morta

Ao ler um artigo de Rui Malheiro no Expresso – interessantíssimo, já agora – deparei-me com esta preciosidade do coletivo liderado por Adolfo Luxúria Canibal.

Não, não fala de futebol, ou, pelo menos, não fala só de futebol. Mas é uma fábula belíssima, aplicável à vida e ao desporto-rei, aos dissabores de amor ou às pulsões de adrenalina e triunfo.

Uma bela recordação que fazia parte de um álbum histórico: ‘Há já muito tempo que nesta latrina o ar se tornou irrespirável’.



PS: «Humanz» - dos Gorillaz
Anotem na vossa agenda: 28 de abril chega às lojas o quinto álbum de estúdio da banda virtual mais famosa do planeta.

Virtual não será bem o melhor termo. Este quarteto de malandros mais não é do que uma epifania de Damon Albarn (sim, o génio dos Blur) e James Hewlett.

O som mantém-se único, inconfundível, e os cinco singles já anunciados são pepitas de ouro artístico. Fica aqui um deles, ‘Saturnz Barz’.



VIRAR A PÁGINA
«O Labirinto dos Espíritos» - de Carlos Ruiz Zafón

Anos 50, Barcelona e Madrid, Raval e Gran Via, becos imundos e avenidas maculadas pelo peçonhento bafo do generalíssimo Franco.

Zafón, mestre da palavra, encerra aqui o ciclo arrancado com o poderoso ‘A sombra do vento’. Algumas das personagens mantêm-se (a família Sempere e a sua livraria, o impagável Fermin…), o estilo do autor também. Ainda bem.

Não há muitos, por esse planeta afora, capazes de pincelar quadros gramaticais com esta sumptuosidade.

Futebol? Há alusões ao Barcelona e às idas aos jogos do Real Madrid. Pequenos escapes dentro de um fulgurante argumento emaranhado em dúvidas.

«PLAY» é um espaço de opinião/sugestão do jornalista Pedro Jorge da Cunha. Pode indicar-lhe outros filmes, músicas e/ou livros através do e-mail pcunha@mediacapital.pt. Siga-o no Twitter.