PLAY é um espaço semanal de partilha, sugestão e crítica. O futebol espelhado no cinema, na música, na literatura. Outros mundos, o mesmo ponto de partida. Ideias soltas, filmes e livros que foram perdendo a vez na fila de espera. PLAY.

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«GRANDES EQUIPAS PORTUGUESAS DE FUTEBOL» - de Rui Tovar
O Domingo Desportivo. Duas horas de resumos dos jogos da 1ª divisão nacional. Resumos de cinco minutos ou mais, atenção. Fosse um Fafe-Boavista ou um FC Porto-Tirsense, todos tinham um destaque apreciável naquelas noites longas na caixinha mágica.

Para mim, sair de casa num domingo à noite era absolutamente impensável. Nada superava aquele ritual: luzes apagadas, a sala de estar em silêncio, eu e o meu pai a comentar as narrações e as imagens dos jogos da tarde.

Era um deleite, sim, mas também uma obrigação. No dia seguinte, pela manhãzinha, ai de quem não tivesse estado atento ao pontapé acrobático do Juskowiak, ao frango do Neno, ao penálti mal assinalado pelo senhor de negro ou à agressão de um tipo qualquer numa bancada a abarrotar de gente.

Amávamos o futebol, conhecíamos todos os jogadores e não aceitávamos no nosso clã quem optasse por um comportamento diferente. Eramos intolerantes, preconceituosos e castigadores. Ai não viste? Então esquece, não jogas à bola no recreio!

[por bola, leia-se: pacote de leite chocolatado estufado com uma pedra, meias enroladas em meias ou, raríssimas vezes, bola mesmo bola]

Por trás desta paixão, o mestre, o guru, o apresentador-reverendo-mor do Domingo Desportivo: o senhor Rui Tovar. Sereno, tranquilo, bem disposto, sempre profissional, uma enciclopédia humana sobre o desporto-rei.

Vejam se percebem: eu aprendi muito, quase tudo, sobre o futebol com duas pessoas; o meu pai e o senhor Rui Tovar. O trágico e surpreendente desaparecimento dele esta semana fez-me gostar menos um bocadinho dos jogos relativos aos quartos-de-final do Mundial.

Não é fácil explicar, mas senti que o grande Rui Tovar merecia ter visto os jogos decisivos da Copa. Esses e os que virão em 2018, 2022, por aí fora.

Só um pormenor me conforta: o filho do senhor Tovar é um herdeiro de altíssimo nível e, ainda por cima, meu amigo. Por mim, a enciclopédia humana de futebol passa a ser o Rui Miguel Tovar. Sereno, tranquilo, bem disposto, sempre profissional.

Vasculhei as minhas prateleiras cá em casa e descobri livros antiquíssimos da autoria do senhor Rui Tovar. Sugiro-vos este, escritos num português requintado e ilustrado com fotos extraordinárias. Na capa está um jogo a cores entre Belenenses e Estoril, dos anos 80. Um luxo!



SLOW MOTION:

«EL MILAGRE DE COSTA RICA: Itália 90» - de Miguel Gómez
Lembro-me do guarda-redes Conejo ajoelhado, a olhar o céu e a suplicar o milagre. Pisava a relva à frente da baliza, murmurava um evangelho impercetível e voltava a erguer as luvas.

Lembro-me de Hernan Medford, avançado pernilongo e de passada trapalhada, a marcar à Suécia e a qualificar a equipa para os oitavos-de-final.

Lembro-me de Bora Milutinovic escondido atrás de óculos garrafais e armações pesadas, descabelado e a gesticular.

E lembro-me dos cromos na caderneta do Itália-90: duas camisolas vermelhas e faces estranhas em cada autocolante. Os jogadores nem direito tinham ao seu espaço impresso por inteiro.

No topo da página, o nome do país: Costa Rica. É provável que nunca antes tenha ouvido o nome do país. Era um miúdo, pouco mais de dez anos, sabia lá o que era e onde ficava a pátria de Los Ticos.

Esse Mundial, de estreia absoluta, levou a Costa Rica aos oitavos-de-final. Chamaram-lhe «milagre» ad nauseam e colocaram o Estado centro-americano no mapa futebolístico.

Há dois anos tive o privilégio de entrevistar o próprio Bora Milutinovic. E ele voltou a utilizar a expressão sacrossanta ao falar dessa Costa Rica: «Fiz um milagre em 1990».

O feito foi tão inesperado que deu origem a um filme. Estreou na Costa Rica no passado mês de maio. É uma ficção baseada em factos reais, com atores, romantismo cinéfilo e alguma efabulação.

A pergunta é: se chamam «miraculosos» aos Ticos de 1990, o que dirão sobre os contemporâneos de 2014?

Prepare-se uma longa-metragem, de orçamento gordo e atores de Hollywood: Keylor Navas, Júnior Diaz, Cristian Bolãnos, Yeltsin Tejeda, Joel Campbell e Bryan Ruiz merecem tudo.



PS: «The Pacific» - de Steven Spielberg e Tom Hanks.
Se viram «Band of Brothers – Irmãos de Armas» já sabem ao que vão. «The Pacific» é o lado menos conhecido da II Grande Guerra Mundial, as batalhas de Guadalcanal, Guam, Okinawa e outros locais pantanosos, exóticos e perdidos no Pacífico.

Os dez episódios são realizados com mestria, por vezes em detalhe sanguinolento, outros a apelar à emoção da camaradagem saudosista. Tudo baseados nos testemunhos de antigos soldados. A série é de 2010 e uma produção de luxo, não tivesse a assinatura de Spielberg e Hanks.




SOUNDCHECK:

«AGARRENSE DE LAS MANOS» - de La Nota.
É uma espécie de hino não oficial de La Sele, a representação nacional da Costa Rica nos relvados do futebol mundial.

No pequeno país centro-americano, por estes dias, não se canta outra coisa.

«Paz reina en Costa Rica, Paz
con la selección Tica, Paz
con sus jugadores
son los mejores gol
calidad en sus jugadas gol
sensación en las gradas gol
Costa Rica adelante
la sele triunfará
Paz reina en Costa Rica, Paz
con la selección Tica, Paz
con sus jugadores
son los mejores gol
calidad en sus jugadas gol
sensación en las gradas gol
Costa Rica adelante
la sele triunfará... eeee !!!»




PS: «Vista pro mar» - de Silva.
Um belíssimo álbum de um brasileiro de nome português. Sintetizadores elegantes, letras a apelar ao prazer das pequenas coisas, refrões simples, o verão num piscar de olhos.

O single É Preciso Dizer tem um vídeo filmado na zona de Sintra e fala-nos dos amores e afeições, essas coisas que nos atropelam pelo peito adentro.

Um disco ótimo para escutar sem pressa, a andar de carro pela beira-mar. Estes clichés são deliciosos e se lhes juntarmos um jogo de futebol e uma cerveja gelada logo a seguir… perfeito.



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«PLAY» é um espaço de opinião/sugestão do jornalista Pedro Jorge da Cunha. Pode indicar-lhe outros filmes, músicas, livros e/ou peças de teatro através do e-mail pcunha@mediacapital.pt. Siga-o no Twitter.