PLAY é um espaço semanal de partilha, sugestão e crítica. O futebol espelhado no cinema, na música, na literatura. Outros mundos, o mesmo ponto de partida. Ideias soltas, filmes e livros que foram perdendo a vez na fila de espera. PLAY.

SLOW MOTION:

«KINGS FOR A DAY» - ESPN
Não me custa nada começar pelo meu baú de memórias.

Um golo do Torreense no Estádio das Antas, tarde de glória de Cláudio Oeiras, contestação e ameaças para cima de Fernando Santos. Espanto, choque, um país de boca aberta.

Embasbacado fiquei também com um tal de Cílio Souza. O Benfica eliminado pelo Gondomar, no Estádio da Luz, Jesualdo Ferreira despedido e o major Valentim a celebrar nos Paços do Concelho: «Gu-ter-res, Gu-ter-res… Gon-do-mar, Gon-do-mar!».

Estarei a confundir factos históricos? É possível. Enfim, em frente.               

Alvalade, 2003, Mário Jardel e Cristiano Ronaldo abatidos pela Naval 1º Maio. Lenços brancos para Laszlo Boloni, manchetes para David Costé. Alguém se lembra deste francês?

Surpresas, escândalos, letras garrafais a anunciarem a irresistível analogia: David abateu Golias.

Servem os supracitados exemplos, divididos salomonicamente pelos três grandes, para lançar a minha sugestão desta semana. Um documentário produzido pela ESPN sobre os pequenos clubes que, por um dia, se tornam reis e senhores.

Tudo isto a propósito, naturalmente, do verdadeiro sábado de doidos na FA Cup. Bradford, Bolton, Cambridge, epopeia de feitos heroicos num relvado e com o país todo a assistir da primeira fila.

Para aplaudir e recordar que o futebol é um jogo maravilhoso, apesar de continuamente maltratado.

Para mim, o melhor conto de fadas (mas com um final invulgarmente triste) continua a ser o que envolve os nomes do Hereford United e do Newcastle. 1972, um relvado quase lamaçal, bancadas em absurdo estado de claustrofobia e um jogo para a eternidade.

 

O Hereford United, massacrado por dívidas, desapareceu em dezembro de 2014.     

Pode ver aqui mesmo o documentário da ESPN sobre os assassinos de gigantes:  



PS: «Birdman» - de Alejandro González Iñárritu.
A bateria, num tom adequado ao ritmo do filme, persegue-nos do genérico inicial aos créditos finais. A filmagem, muitas vezes em jeito de handycam, pega-nos na mão e carrega-nos pelos corredores de um velho teatro nova-iorquino, a poucas centenas de metros de Time Square.

Michael Keaton é soberbo na interpretação de um papel com muito de autobiográfico. Um ator cinquentão, longe dos tempos áureos, dos tempos em que vestiu o fato de super herói e passou a ser uma estrela nos quatro cantos do planeta.

Edward Norton, o enorme Edward Norton, só precisa de ser personagem secundária para incendiar o filme e justificar, como Keaton, a nomeação para os Oscars.

Dito isto, o novo filme do realizador de Babel, 21 Gramas e Biutiful é uma obra-prima e grande candidato à estatueta para Melhor Filme do Ano? Definitivamente, não. Mas merece ser visto e aplaudido pela riqueza e invulgaridade de alguns pormenores.  

  

SOUNDCHECK:

«ALL I NEED IS SOME COMPANY» - Alexi Lalas.
O antigo defesa central da seleção dos EUA, homem de farta cabeleira ruiva e uma longa pêra no mesmo tom, eliminou as capilaridades acessórias e pegou na guitarra para seguir outro dos seus sonhos.

O sucesso é apenas mediano e cada nota parece clamar pelo descanso do compositor e a ressurreição do coriáceo centre-back dos anos 90.

Pela simpatia que a personagem me merece, deixo-vos um dos seus trabalhos de estúdio mais recentes. Simpático, lá está, como o autor. 

 

PS: «Girls in Peacetime Want to Dance» - Belle and Sebastian.
Podemos tentar quase tudo – mudar o corte de cabelo, deixar de vestir calças rotas, ter o bom senso de remover o piercing ou deixar de fumar – mas para deixar o nosso passado precisamos de mais do que um mero conjunto de opções de estilo.

Há toda uma carga emocional que nos acompanha, em forma de afirmações, decisões, tratados. Somos o peso dessa herança, para o bem e para o mal.

O novo trabalho dos Belle and Sebastian – o nome é uma homenagem à obra literária homónima – é um perfeito exemplo prático do que defendo. A banda de Glasgow, comandada pelo sensível Stuart Murodch, procura um novo trajeto estilístico, mas é precisamente quando agarra o tom do passado que consegue ser mais convincente.

Porquê? É esse o seu ADN, por mais toques de eletrónica ou caprichos na pista de dança queira ter. Os Belle and Sebastian querem dançar, mas é a tocar guitarra e a cantar que eles sabem ser brilhantes.

Melhores músicas deste novo álbum dos escoceses? O single Nobody’s Empire, The Power of Three e Perfect Couples, esta cantada pelo guitarrista Stevie Jackson.                        


 

VIRAR A PÁGINA:

«SLIM JIM» - Tom Miller

Os elementos básicos são estes: Jim Baxter foi um dos melhores escoceses de sempre, um esquerdino fabuloso, ícone do grande Glasgow Rangers dos anos 60.

Fora dos relvados, Slim Jim era, acima de tudo, uma personagem contraditória. Afável e simpático, sempre de bom trato, mas também viciado em apostas e no álcool.

Jim morreu em 2001, vitimado por um cancro no pâncreas. A ascensão e queda do futebolista é contada com inegável qualidade por Tom Miller, nesta biografia não disponível no mercado nacional. Se quiserem tê-la podem arranjá-la facilmente em vários sites de compras na internet.

Scot Symon, antigo treinador do Rangers, é várias vezes citado: «Passem a bola ao Jim e ele faz com que as coisas aconteçam. Não se preocupem».  
 

 
«PLAY» é um espaço de opinião/sugestão do jornalista Pedro Jorge da Cunha. Pode indicar-lhe outros filmes, músicas e/ou livros através do e-mail pcunha@mediacapital.pt. Siga-o no Twitter.