PLAY é um espaço semanal de partilha, sugestão e crítica. O futebol espelhado no cinema, na música, na literatura. Outros mundos, o mesmo ponto de partida. Ideias soltas, filmes e livros que foram perdendo a vez na fila de espera. PLAY.

SLOW MOTION:

«SUBSTITUTE» - Vikash Dorasoo e Fred Poulet

Intelectual do futebol francês. Leitor voraz de obras complexas, libertino, incompreendido. Assim era Vikash Dorasoo, antigo médio de Lyon, AC Milan, Bordéus e PSG.

Essa personalidade instável, permanentemente insatisfeita, levou-o a filmar um documentário com tanto de interessante como de polémico. Nos bastidores do Mundial 2006, no âmago da seleção nacional de França.

Vikash, uma câmara 8mm e o apoio de um amigo ligado ao mundo do cinema (Fred Poulet).

Um homem solitário num quarto de hotel alemão. Alienado. «Não vou enlouquecer, não se preocupem», desabafa Dhorasoo, para a lente confidente.

Na fase de qualificação, Raymond Domenech faz de Vikash Dhorasoo um dos indiscutíveis. Arranca o Mundial e tudo muda. Seis minutos contra a Suiça, dois contra a Coreia do Sul e depois cinco jogos seguidos sem sair do banco de suplentes.

Vikash Dhorasoo passa de futebolista a espião. Filma quase clandestinamente, como um atirador furtivo, e no final do torneio despede-se dos bleus.

Quando o documentário é lançado, sem a autorização da federação, metade de França vira-se contra o futebolista enquanto a outra metade aplaude. O voyeurismo é uma arte irresistível.

«Contra a Espanha, no banco, apeteceu-me chorar. Eu não sou um adepto, sou um futebolista. E não me deixam jogar».

Multiplicam-se os desabafos, a imagem é escura, baça, o som propositadamente imperfeito.

«Não fiquei com a taça [a França perdeu contra a Itália na final] mas tenho este filme».

Vikash Dhorasoo, o espião que veio do banco para o cinema. 
 

PS: «Life» - Anton Corbijn
Corbijn passou grande parte da carreira a filmar videoclips para algumas das bandas mais importantes das últimas décadas: U2, Depeche Mode, Killers, Mercury Rev, Travis, Arcade Fire... Em 2007 arriscou a entrada no mundo do cinema com Control, um olhar mais ou menos biográfico sobre Ian Curtis (Joy Division). Pungente, cru, um triunfo.

O realizador holandês repete o método e a qualidade do mesmo com a recuperação da imagem de James Dean e a sua forte relação de amizade com o fotógrafo Dennis Stock. Um dos produtos mais interessantes em exibição nos cinemas. É sempre bom recordar o fascínio que Dean exerceu sobre o mundo de Hollywood antes de perder a vida num estúpido acidente de viação.   




SOUNDCHECK:

«NA CADÊNCIA DO SAMBA/QUE BONITO É» - Luiz Bandeira/Nélson Gonçalves

Toca o samba, duas memórias imediatas: as cenas de Luquinha, avançado do fictício Cantareira, na telenovela Vereda Tropical (1985) e os relatos de Gomes Amaro no Quadrante Norte, sempre aos domingos à tarde.

Amaro relatava, a bola entrava, a música enamorava.

«Que bonito é
As bandeiras tremulando
A torcida delirando
Vendo a rede balançar

Que bonito é
A mulata requebrando
Os tambores repicando
uma escola desfilar».


A relação com esta música é tão forte que a minha recordação diz-me que todos os golos eram marcados por Gomes Amaro. Para mim, golo que era golo tinha de ter a bênção deste narrador brasileiro, adotado por Portugal.

Só o grito dele validava a jogada. E aí sim, era permitido celebrar, agarrado ao pequeno transístor. «Que bonito ééééééé…!»

E Luquinha? O ator Mário Gomes vestia camisola laranja, calção preto bem justinho e era colega de equipa do Bertazzo (Nuno Leal Maia). O meu mundo parava à hora do almoço para ver esta trama.

O final é épico. Luquinha transfere-se do Cantareira para o Corinthians e chega ao estádio de helicóptero. Tão bom.  



PS: «Born Under Saturn» - Django Django
O sempre temível segundo álbum, barreira intransponível para tantos projetos, foi ultrapassado com distinção pelos londrinos Django Django. As marcas musicais da banda são indeléveis: o tom de voz peculiar de Vincent Neff, frágil e ao mesmo tempo resistente, e a influência da pop dos 70's em guitarras e teclados futuristas.

Os quatro rapazes continuam a criar boas músicas, mantendo uma fidelidade venial àquilo que nos propuseram no primeiro álbum. Shake and Tremble é uma composição arrebatadora. Para ouvir em repeat.




VIRAR A PÁGINA:

«WHEN THE GAME WAS OURS» - Larry Bird e Magic Johnson

A maravilhosa rivalidade entre duas das maiores estrelas da história da NBA. Larry Bird, o génio dos Boston Celtics; Earvin Magic Johnson, o símbolo maior dos LA Lakers. Tão diferentes, tão iguais. A técnica subtil e o poder, a própria cor da pela, o Oeste contra o Este... Estou ainda nas primeiras páginas - e tanto tive de esperar até receber o livro em casa - e já não o consigo largar. Um regresso extraordinário aos courts da NBA dos anos 80.  

 
«PLAY» é um espaço de opinião/sugestão do jornalista Pedro Jorge da Cunha. Pode indicar-lhe outros filmes, músicas e/ou livros através do seguinte e-mail: pcunha@mediacapital.pt. Siga-o no Twitter.