PLAY é um espaço semanal de partilha, sugestão e crítica. O futebol espelhado no cinema, na música, na literatura. Outros mundos, o mesmo ponto de partida. Ideias soltas, filmes e livros que foram perdendo a vez na fila de espera. PLAY.

SOUNDCHECK:

«A MOON SHAPED POOL» - RADIOHEAD
O charme do amadurecimento; a fuga ao aburguesamento canalha, letárgico; ser desafiante numa postura de entrega e redenção; respirar a alienação e criar, criar, criar até o clímax da perfeição jorrar «A Moon Shaped Pool».

O nono álbum dos Fab Five de Oxford é desafiante, possui miscelâneas e subtilezas incomuns; numa faixa surge assombrado pelos demónios de Thom Yorke – provavelmente arrastado pelas dores do recente divórcio –, para logo se transmutar em alienação retumbante, de olhos fechados e cabeça a rodopiar.

Encerro a escuta na maravilhosa True Love Waits, piano, voz e bateria. Rendo-me ao escuro e a imagem que me assoma é esta: Yorke a dançar, em descontrolo, e o mundo a desmoronar-se em seu redor. Como se o palco não suportasse este crime perfeito, esta obra prima desenhada por Yorke, os manos Greenwood, Selway e O’Brien.

Há protesto, há mentira, há um universo denso, menos eletrónico do que o do antecessor The King of The Limbs. Há um toque primitivo, a promessa cumprida do regresso a uma plataforma mais orgânica, menos segregadora.

A variedade de ritmos e arranjos, a voz dilacerada de Yorke em permanente clamor, a perfeita expressão da melancolia mais controlada, levada ao extremo da maturidade de quem compõe/escreve/executa a melhor música há um quarto de século.

Burn the witch é o arranque pop, Present Tense persegue-nos e agarra-nos, Daydreaming leva-nos numa viagem pelos labirintos mais negros da mente, The Numbers ensaia um início belíssimo e percorre os minutos seguintes em crescendo. É proibido perder o fim.

Em novembro de 1993 conhecemo-nos no Coliseu do Porto. Enquanto esperava pelos James, autores do seminal Seven, encostei-me à grade da primeira fila. Um quase-adolescente de cabelo louro-quase-branco cantava selvagem, agarrado às cordas de uma pobre guitarra.

Rendi-me, imediatamente. No dia seguinte pedi aos meus pais a minha prenda para o Natal desse ano. O simpático e pueril Pablo Honey, primeiro trabalho destes génios. O prólogo de um percurso venial. Heterogéneo e instável, surpreendente e reconfortante.

Obrigado, Radiohead. Um disco destes rapazes será sempre notícia de primeira página.



SLOW MOTION:

«THE BEST OF IT» - de Scott Pearson Eberly
Estive duas vezes em Las Vegas. Cometi uma pequena loucura e gastei cinco dólares numa slot machine. É esta a minha relação com o mundo das apostas: ridícula, inexistente.

Começo assim para chegar onde quero: à Operação Jogo Duplo. A viciação de resultados desportivos é o pior dos flagelos, pelo menos para quem ama o futebol ou outra modalidade qualquer.

Confesso ter até algumas dificuldades em escrever sobre o tema. É tudo demasiado triste, demasiado feio. Não tenho nenhum dedo acusador, não culpo nenhum dos detidos/arguidos antes da Justiça fazer o seu trabalho, apenas reajo com a sensibilidade de quem fez durante quase três décadas parte de vários plantéis de futebol.

Seria fantástico que tudo isto não passasse de erro monstruoso e que a II Liga portuguesa – já nem falo na I Liga, no Campeonato de Portugal ou nos Distritais – fosse um exemplo virginal de pureza e seriedade.

Temo que assim não seja. Quem entra numa burla destas, numa traição a colegas e adeptos, só pode ter um vazio, um buraco, uma tremenda desesperança em si. São atletas/treinadores/dirigentes vencidos pela vida, dispostos praticamente a tudo para arrecadarem uns euros a mais.

Tudo isto me enoja, tudo isto é demasiado repugnante. Não gosto de apostar e nunca traí nenhum colega de equipa. Permitam-se subir ao palanque da moral, por um Play que seja, e mirar com desdenho quem pratica tais atos.

Agentes da corrupção a soldo de interesses de homens de negócios sujos. Ora aí está o grau zero da dignidade.

Numa semana feia, no que ao mundo das apostas e bastidores do futebol diz respeito, vale a pena ver este documentário e acompanhar os desvarios de quatro apostadores: Alan Boston Dvorkis, Alan Dink Denkenson, Lem Banker e Ken The Shrink Weitzner.

Claro que isto não acaba bem.

PS: «22.11.63» - de J.J. Abrams e Stephen King
E se um professor de inglês voltasse ao passado, através de um túnel do tempo, e conseguisse evitar o assassinato de John F. Kennedy?

A questão foi respondida por Stephen King num livro escrito em 2011 – uma das melhores obras do ano, de acordo com o prestigiado New York Times – e transportada agora para uma série televisiva.

King não fez por menos e convidou J.J. Abrams, o senhor Perdidos/Lost, para embarcar neste ambicioso projeto. Os dois primeiros episódios prometem.

James Franco é o professor que, desafiado por um amigo (Al Templeton, o ator Chris Cooper), retorna ao passado e ao ano de 1960, três anos antes do assassinato de JFK em Dallas, Texas.

A produção é de bom gosto, irrepreensível. Estou curioso para ver como a dupla King/Abrams preencherá o espaço entre a chegada do professor Epping (Franco) a 1960 e o dia em que Lee Harvey Oswald prime o gatilho.

VIRAR A PÁGINA:

«RELATO – HISTÓRIAS DE FUTEBOL» - de Hugo Vinagre e Tiago Beato
Vinagre e Beato são dois bons contadores de histórias. E sabem ouvir. Criaram o site Relato e a partir daí começaram a publicar duas vezes por semana aquilo que escutavam dos seus entrevistados. Mas aqui o tom é diferente.

O que os jornalistas propõem às pessoas ouvidas é uma narração de um episódio ligado ao futebol, de preferência com bom humor. Há o Relvado, onde encaixam as figuras ligadas diretamente ao meio do futebol, e a Bancada, para onde vão as personagens mediáticas de outras áreas, também elas com coisas bonitas para partilhar sobre o desporto que todos amamos.

Os episódios relatados acumularam-se e a dupla de jornalistas decidiu avançar para a edição de um livro.

Conheço bem o site, ainda não li o Relato em papel. Mas não me esqueço do episódio contado por Cândido Costa, o meu favorito. Quando Cândido conhecer o senhor Paulinho Santos. Delicioso.

«PLAY» é um espaço de opinião/sugestão do jornalista Pedro Jorge da Cunha. Pode indicar-lhe outros filmes, músicas e/ou livros através do e-mail pcunha@mediacapital.pt. Siga-o no Twitter.