As imagens enviadas pelas agências internacionais a meio da tarde mostravam confrontos, disparos, gás no céu, camisolas amarelas, armas e jornalistas com capacetes em que luzia a inscrição «press». Milhões de pessoas em todo o mundo ansiava pelo início do campeonato, queriam ver a bola a rolar, mas as imagens persistiam.

O Brasil chega a um dos momentos mais visíveis da sua história em profunda convulsão social. Gastou muitos milhões de reais em estádios, enquanto prescindiu de apoios sociais, cortou na educação, na saúde e nos transportes. Não é demagogia, é realidade (onde é que já vimos isto). E sim, o campeonato atrai atenção planetária, convida novos turistas, faz movimentar capitais e o governo federal espera que o esforço resulte em bonança (já agora com uma ajudinha do título mundial para o escrete).

Como tem acontecido nos últimos dois anos, ontem foi dia de protestos em várias cidades do país e não só em São Paulo, onde umas dezenas de radicais «black bloc» terão alimentado os confrontos nas imediações do Itaquerão. Pelo caminho, jornalistas foram também atingidos, como aconteceu com Shasta Darlington e Barbara Arvanitidis, da CNN, que ficaram feridas por estilhaços. Isto porque a polícia usou bombas para dispersar manifestantes. No final do dia, 31 pessoas foram detidas.

No Rio de Janeiro uma outra ação foi reprimida com spray de pimenta e bombas de gás, enquando um grupo de manifestantes estendia uma faixa gigante no aqueduto dos Arcos da Lapa, precisamente pedindo mais atenção para a edução e a saúde, criticando os gastos incomensuráveis com a Copa. Em Belo Horizonte houve registo de vandalismo, com manifestantes a atacarem a polícia com pedras, obrigando a uma resposta com bombas de gás lacrimogéneo, de efeito moral e balas de borracha. Um fotógrafo da agência de notícias Reuters ficou ferido na cabeça.

Cenário similar teve lugar noutros locais do país, como no Distrito Federal, em Porto Alegre ou em Salvador, sempre com detidos, feridos e muitas bombas de gás. A repressão imposta pelas autoridades está cada vez mais musculada, mas o povo não se cansa de reclamar.

Dizia-se que a partir do momento em que a bola começasse a rolar toda a gente se ia calar. E foi quase assim. O país parou para ver o jogo inaugural entre o Brasil e a Croácia, mas lá entro do estádio ninguém se esqueceu de Dilma Rousseff, que foi devidamente hostilizada, apesar dos esforços da organização para a manter em local menos visível.

Após a chegada da Presidente ao estádio e logo a seguir à emocionante a execução do hino nacional, ouviram-se os primeiros insultos. Na segunda parte voltou a acontecer duas vezes. Também Sepp Blaterr foi alvo da «torcida», apesar de tudo ter corrido na perfeição para a equipa da casa, com direito a uma ajudinha do árbitro.


Segundo os relatos da imprensa local, os gritos com palavrões começaram na área VIP e espalharam-se a outras partes das arquibancadas da Arena Corinthians. Dilma manteve-se calada, até que surgiram os golos da seleção.

Aos 70 minutos, o Brasil deu a volta ao resultado através de uma grande penalidade que não parece existir. Dilma, vestida de verde, celebrou, mas nem aí teve paz. O meme resume o sentimento do povo.


«Um domingo qualquer» é uma crónica de opinião quinzenal do jornalista Filipe Caetano