«Dominar-se, vencendo a própria fraqueza; resistir mais que o possível; fazer das fraquezas força; suportar com relutância, com paciência» (Definição de «fazer das tripas coração», segundo o Dicionário Prático de Locuções e Expressões Correntes, de Emanuel de Moura Correia e Persília de Melim Teixeira)

Tripeiro: «adjectivo e substantivo masculino [Informal] O mesmo que portuense».

Porque é que estas definições são importantes? Porque representam a essência do FC Porto e explicam muito do que está no ADN do clube desde a sua fundação e serviram de base para as conquistas das últimas três décadas. É disto que muita gente se tem esquecido nos últimos tempos, começando nos jogadores e terminando em comentadores completamente afastados da realidade do clube.

A crise no Dragão é uma realidade, mas não atinge as suas fundações. Tão ou mais importante do que fazer o diagnóstico do erro é crucial saber levantar a cabeça, ir buscar forças onde não existem e olhar em frente. O desafio está em explicar a jogadores com pouca ligação a essa cultura do clube como fazer diferente de todos os outros.

O grande erro de Pinto da Costa e da tão afamada «estrutura» na preparação da presente temporada foi cair num certo excesso de confiança cíclico, que normalmente paira nas Antas após tremendos sucessos e um enorme volume de vendas (o mesmo aconteceu no pós-Mourinho e ainda se vive a ressaca do pós-Villas Boas). A tal «estrutura» é composta por uma rede de pessoas que tem o clube no sangue, subiram a pulso lá dentro, provaram confiança, lealdade e algum conhecimento. Se no plantel ou até na equipa técnica é possível recrutar gente de fora, o núcleo da tal «estrutura» é essencialmente o mesmo há mais de dez anos.

A «estrutura» é o reflexo do presidente. Pinto da Costa fez todo o seu trajeto dentro do clube até chegar ao topo. O mesmo aconteceu com Reinaldo Teles (agora menos interventivo), com Adelino Caldeira, com Angelino Ferreira (entretanto substituído pelo ex-presidente da câmara Fernando Gomes), com o atual presidente da FPF Fernando Gomes (ex-administrador da SAD), com Antero Henrique (ex-colaborador da revista Dragões e ex-assessor de imprensa), com Acácio Valentim (ex-assessor de imprensa, agora team manager), com Jaime Teixeira (ex-gestor de conteúdos do site e agora responsável pelas relações internacionais). E assim sucessivamente (com muito mais pessoas envolvidas, como é óbvio).

A «estrutura» de sucesso do FC Porto é feita desta massa de gente, que tem nome, tem percurso e um perfil muito próprio (desconhecido para muitos do que pensam saber o que se passa no Dragão). É aqui que reside a diferença e é muito por aqui que se encontram forças e fraquezas.

Quando se confia demasiado nesta «estrutura» e não se aposta tanto na coerência destes processos na transposição para a equipa de futebol a engrenagem falha e torna-se praticamente impossível explicar o que significa ser «tripeiro» (e não, não é insulto) ou «fazer das tripas coração». Paulo Fonseca não teve o talento, o engenho ou a inteligência para perceber isso e dificilmente Marco Silva encaixa no perfil, por muito bom treinador que seja (e é). Fernando Santos e Jesualdo Ferreira, por exemplo, sendo benfiquistas, abraçaram a ideia e encontraram o sucesso, explorando o conceito ao máximo. Todos os treinadores com resultados no FC Porto nas últimas três décadas encontraram soluções nesta receita, complementando-a com inovações táticas e apostas certeiras.

Luís Castro surge, por isso, como uma solução óbvia como forma de reforçar estes laços e é a pessoa ideal para resgatar o que falta à equipa. Por estes dias uma das maiores alarvidades que ouvi foi que «o FC Porto desistiu quando havia ainda muito a conquistar». Apostar em Luís Castro não é desistir, mesmo que o comunicado à CMVM tenha informado que se tratava de uma solução interina, até porque a tal «estrutura» encarregou-se de fazer passar a ideia de que se tratava de uma aposta até final da época. Neste momento só não há ninguém a assumi-lo diretamente (e isso só poderia ser feito por Pinto da Costa), porque as feridas já são muitas e é preciso deixar a porta aberta caso a solução não se revele eficaz.

A pressão não vai reduzir, ainda que Luís Castro tenha algum campo de manobra, pois dificilmente poderá fazer pior do que Paulo Fonseca. O destino está nas suas mãos e na forma como vai conseguir levantar a cabeça deste plantel, organizando os centrais, estabilizando o meio-campo, apostando sempre em Quaresma e Varela para as alas e motivando Jackson a regressar aos golos. A isto terá de juntar vitórias, conquistas.

Nesta linha de raciocínio, não deixa de ser curiosa a forma como o FC Porto está a promover o jogo com o Arouca.


«Um domingo qualquer» é uma texto de opinião quinzenal do jornalista Filipe Caetano