1 - Um dos episódios mais caricatos do futebol brasileiro remete-me para Belo Horizonte e para o dia em que o manto azul de Nossa Senhora da Aparecida, padroeira do Brasil, foi pintado de negro por ordem de Nélio Brant, presidente do Atlético Mineiro.

Tudo bem que, por uma questão de rivalidade, a cor do Cruzeiro estava banida da sede e que a decisão contou até com a bênção de um padre. Mas aquilo de mexer na estatueta da santinha, que estava há anos sem incomodar quem quer que fosse na capela do clube, acabou por motivar a indignação dos próprios atleticanos. A tal ponto que Nélio teve de dar ordem de «despintar» para o manto voltar ao azul original.

Uma década depois (em 2011), o incidente ainda produzia efeitos. A seca de títulos do Atlético motivou um taxista, adepto do «galo», a querer levar uma imagem de Nossa Senhora até à catedral de Aparecida para ser benzida. Motivo: acabar com a «maldição» originada pela pintura.

2 - Parem agora o que estão a fazer e observem o emblema do FC Porto.

Veem a santa com manto azul que aparece em duplicado no brasão de armas da cidade? É a Nossa Senhora de Vandoma, padroeira da Invicta.

3 - No passado domingo, Pinto da Costa foi reeleito para o 13.º mandato como presidente do FC Porto. Teve a votação mais baixa de sempre (79%) e houve mais de meio milhar de votos nulos.

A crise no clube ajuda a justificar esta quebra.

Os contestatários reclamam da direção, desde logo, por confiar demais num técnico sem provas dadas, como Lopetegui, defendendo-o publicamente duas semanas antes de decidir demiti-lo, sem ter alternativa imediata para apresentar. Criticam também os negócios com familiares, algo que não é ético seja em que atividade for. E reprovam ainda a forma como o plantel foi construído: há quase oito dezenas de jogadores profissionais sob contrato, por exemplo.

Na primeira entrevista após a eleição, Pinto da Costa disse: «Jorge Jesus? Não digo que não, nem que sim… Não está no nosso horizonte.»

Goste-se ou não de Jesus, parece evidente que é ele o principal responsável por quebrar a hegemonia do FC Porto no futebol nacional. Tal como se torna clara a ideia de que Pinto da Costa estará agora convencido de que cometeu um erro de avaliação quando no início desta temporada o deixou escapar do Benfica para o Sporting, mantendo a confiança em Lopetegui.

Posto isto, é preciso um milagre para dar a volta à situação no FC Porto?

Nem tanto… Mas mesmo que fosse, poucos duvidarão da crença inabalável de Pinto da Costa para o conseguir.

O presidente portista – chamam-lhe «Papa» – é um homem de fé, devoto de outra Nossa Senhora – Fátima – e quando se reergueu da primeira seca de títulos (em 2003) até foi recebido com a figura máxima da hierarquia da igreja católica.

A escassez de títulos revela-se desta vez mais preocupante. Mas mesmo à falta de melhor proteção, não será preciso mexer no manto de Nossa Senhora de Vandoma, cuja estatueta está na Sé do Porto e até hoje ninguém tentou pintar.

No (belo) horizonte que perspetiva para este mandato de quatro anos fica a suspeita de que em algum momento o presidente mais titulado do futebol cairá na tentação de querer atingir com o mesmo golpe os dois rivais de Lisboa.

Mesmo sem o dizer de forma clara, haja oportunidade e Pinto da Costa parece disposto cumprir parte do caminho que lhe falta lado a lado na companhia de Jesus.

E Jesus? Quando voltará a estar disponível para dar esse passo?

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«Geraldinos & Arquibaldos» é um espaço de crónica quinzenal da autoria do jornalista Sérgio Pires. O título é inspirado na designação dada pelo jornalista e escritor brasileiro Nelson Rodrigues, que distinguia os adeptos do Maracanã entre o povo da geral e a burguesia da arquibancada.