«É tão bom ser pequenino. Ter mãe, ter pai, ter avós. Ter esperança no destino; e ter quem goste de nós.»

Ao contrário deste fado, a sina dos pequenos na Liga Portuguesa é bem menos ditosa.

Para começar, dado o fracasso da centralização de direitos televisivos, os clubes de menor dimensão disputam a mesma competição com cinco ou dez por cento do orçamento de um grande.

Bastaria este dado para nos fazer indagar: que oportunidade tem esta Liga de ter um mínimo de equilíbrio?

Continuando, de cada vez que recebem um candidato ao título, os pequenos sentem-se forasteiros na sua própria casa. A ponto de, em vésperas de jogo, terem de publicitar advertências deste género, tão recorrentes como reveladoras: «Não são admitidos cachecóis e bandeiras do clube adversário na bancada de sócios.»

O fosso é gigante. Historicamente sempre foi assim, ou não tivesse havido apenas dois campeões que escaparam à hegemonia dos três grandes em 85 edições do campeonato.

Conjunturalmente, goleadas de 10-0 ou 8-1 ou o facto de o líder Benfica ter o dobro dos pontos de Santa Clara e Rio Ave (7.º e 8.º classificados), só ajudam a confirmar que a distância entre candidatos e o restante pelotão tende a acentuar-se.

De tal forma que, nesta edição da Liga, já houve o caso de treinadores que assumiram poupar jogadores para os jogos com os candidatos, dando-os como praticamente perdidos logo à partida.

Assim sendo, a Liga tornou-se pouco competitiva e, por isso, nada apelativa, sobretudo para os mercados externos. Mais do que duelos com alguma dose de incerteza, o «espetáculo» semanal resume-se a uma longa procissão pelas capelinhas com os candidatos a recolherem os três pontos no final.  

Volta e meia há um tropeço, sim. Exceções que nos estremecem da monotonia, mas que servem apenas para validar a tese.

Benditas exceções, ainda assim.

No entanto, quando uma equipa se transcende e joga olhos nos olhos com um candidato à conquista do título, pode muito bem acontecer o que sucedeu no Rio Ave-Benfica do passado domingo.

Com um árbitro internacional em campo e outro no VAR, o Rio Ave alcançou a proeza de ter sido prejudicado por duas vezes no mesmo lance (que só é trazida aqui à colação pela sua absoluta raridade) – uma falta, possível penálti, e um fora de jogo evidente, qualquer um deles anularia o golo do Benfica. O erro crasso torna-se inexplicável na era do VAR, tanto mais polémico por ajudar a decidir um jogo determinante para a luta pelo título – que podia ter sido também na corrida pela Europa para os vila-condenses, se horas antes não tivesse o Vitória de Guimarães arrumado essas contas.

Tudo isto, ressalve-se, sem tirar mérito ao futebol apresentado pelo Benfica de Bruno Lage (já aqui elogiado) e à extraordinária recuperação nesta segunda volta, que permite a uma equipa que parecia ter atirado a toalha ao chão estar a um ponto da conquista do título.

Sobre o VAR, não me alongo, até por concordar, palavra por palavra, com este artigo de opinião publicado no Maisfutebol.

Chegados aqui, porém, não se torna difícil descobrir aqui outra das desvantagens dos clubes pequenos. Se não tiver danos colaterais, um erro contra um pequeno morre em termos mediáticos na noite do próprio jogo, ou nem sequer chega a nascer.

Os pequenos não têm televisões e transmissões próprias, não colonizam os restantes canais com comentadores destinados a fazer spin, virando do avesso imagens e contorcendo-se em criativas interpretações. Os pequenos não têm pontas de lança nas redes sociais prontos a crucificarem sob anonimato qualquer profissional honesto, seja ele mais ou menos competente.

Por cá, criou-se a sensação de que a falta de competência de quem decide prejudica vezes a mais quem menos pode.

Na verdade, os pequenos pouco podem em termos de tentativas de condicionamento e na modelação da opinião pública. Apesar dos parcos orçamentos e da pouca militância de adeptos, esta é uma das suas maiores fraquezas na Liga do Portugal dos Pequenitos.

Mas não vão por mim, ouçam a sempre proverbial voz do povo.

Neste caso, a do caxineiro Fábio Coentrão, que no final do jogo de domingo do seu Rio Ave resumiu numa frase o que me leva parágrafos a explanar:

«Olho para trás e percebo o quão difícil é jogar nestes clubes pequenos. […] O nosso futebol está assim, infelizmente.»

Há quem prefira autores mais eruditos. A mim, basta-me que a citação soe a autêntico.

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«Geraldinos & Arquibaldos» é um espaço de crónica quinzenal da autoria do jornalista Sérgio Pires. O título é inspirado pela expressão criada pelo jornalista e escritor brasileiro Nelson Rodrigues, que distinguia os adeptos do Maracanã entre o povo da geral e a burguesia da arquibancada.

(Artigo originalmente publicado às 23:45 de 14-05-2019)