A crise acaba no final de maio.

Não, melhor ainda: esta pandemia acaba numa sexta-feira, 29 de maio, às 19h45. Está bom assim? Mesmo a tempo de Rio Ave e Paços de Ferreira darem o pontapé de saída para a jornada 25.

Na última semana não faltou quem caísse em cima de um colunista que defendeu no seu artigo de opinião, no Público, a ideia peregrina de que precisamos da parte do governo de «uma data para vermos uma luz ao fundo do túnel».

No que toca ao futebol, a curiosidade de João Miguel Tavares seria satisfeita pelo presidente da Liga. Pedro Proença trabalha para o regresso da Liga no final de maio.

Não tenho ideia de qualquer outra atividade ter dado um prazo concreto para o regresso, mesmo condicionando-o – mau seria – ao que determinar a Direção-Geral de Saúde.

O problema é que, azar dos Proenças, o final de maio coincide com o pico da pandemia em Portugal, segundo afirmou a ministra da Saúde também na última semana.

Outro problema é o de o regresso aos treinos estar programado já para daqui a um mês, numa altura em que por cá ainda está previsto o crescimento da curva epidémica. E outro ainda tem que ver com o facto de várias competições internacionais agendadas para um mês tão distante como julho, de Wimbledon aos Jogos Olímpicos, já terem sido suspensas ou adiadas.

Não por acaso nesta segunda-feira o presidente do Sindicato dos Jogadores veio alertar para o facto de os atletas só regressarem quando as condições de segurança sanitária estiverem absolutamente garantidas.

«Os jogadores nunca serão cobaias», afirmou Joaquim Evangelista, acrescentando como se tal fosse preciso: «Nem pensar no regresso às competições, ou sequer aos treinos, sem o aval das autoridades de saúde.»

Proença e a Liga tentam responder à pressão da UEFA, dos operadores de TV, dos clubes para que o remanescente da temporada se cumpra. Aliás, essa é inequivocamente a solução mais justa. E assim será, mas apenas quando e se houver condições para tal.

É avisado que haja um plano com os diferentes cenários possíveis, mas é ainda mais aconselhável nesta altura ser-se parcimonioso na comunicação, sob pena de se cair no ridículo.

Vivermos em estado de emergência. Numa altura em que os hospitais se debatem para não entrarem em rotura, com o país quase inteiro confinado e mais de meio milhão de portugueses já em lay-off, esta preocupação pública com o futebol e em arrumar a Liga de afogadilho torna-se, no mínimo, descabida.

O tantas vezes referido aplanar a curva é benéfico para a capacidade de resposta do Serviço Nacional de Saúde e para salvar vidas, mas faz estender por mais tempo os efeitos da pandemia e, portanto, vai atrasar a retoma de diferentes atividades, com o consequente impacto económico.

Essa é a concessão que estamos dispostos a fazer enquanto sociedade. Foi esse o compromisso tácito que assumimos, pelo que qualquer pressão pública em sentido contrário não será mais do que ruído.

Se o futebol se quer entreter com discussões, poderá começar por algo bem mais premente: numa altura em que todos são chamados a fazer sacrifícios, há que pôr seriamente em cima da mesa o corte de salários dos futebolistas de topo – os funcionários mais bem pagos em todo o país.

Quanto ao resto, faltam à Liga Portuguesa ou à UEFA epidemiologistas, que, de momento, não mostram grandes certezas sobre este novo desafio.

A bola está do lado deles. Façam o favor de lhes deixar o campo livre.

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«Geraldinos & Arquibaldos» é um espaço de crónica quinzenal da autoria do jornalista Sérgio Pires. O título é inspirado pela expressão criada pelo jornalista e escritor brasileiro Nelson Rodrigues, que distinguia os adeptos do Maracanã entre o povo da geral e a burguesia da arquibancada.