Conduzo uns 30 quilómetros para o interior do distrito do Porto e é como se recuasse 20 anos no futebol português: sócios antigos junto ao bar do clube apreciando ao longe um treino da equipa principal, os craques ali à distância de um «boa tarde» e um aperto de mão… Posso até espreitar entre as bancadas, até que volto dar por mim e já estou ali sozinho, em pleno estádio, a tocar no relvado.

Bem-vindos a Paços de Ferreira, esse lugar de liberdade no nosso futebol.

Em Portugal, o futebol é talvez a única atividade em que os seus agentes desprezam a projeção mediática que lhes é oferecida numa bandeja. Ao longo dos últimos anos, os três grandes têm progressivamente privilegiado a comunicação em circuito fechado (quando não codificado) através dos seus canais próprios.

O canal do clube faz invariavelmente a primeira pergunta, queimando tempo precioso em conferências de imprensa cronometradas quase ao segundo. O canal do clube faz todas as perguntas, menos as difíceis, sempre que o presidente do clube quer passar a sua mensagem à nação. O canal do clube tem todos os exclusivos com os jogadores.

Tudo isso é legítimo. Não tem, porém, é equidistância e independência para ser considerado jornalismo – mesmo que o que é publicado ou difundido em órgãos de comunicação externos nem sempre o seja.

Se os grandes fazem assim, os restantes cada vez mais fazem parecido. Mesmo com queixas fundadas sobre a falta de cobertura em treinos e conferências de imprensa de antevisão (já que as redações não esticam), cada vez mais não-grandes levantam barreiras ao trabalho jornalístico: umas vezes por retaliação, outras porque há que alimentar uma complexidade supérflua para salientar a importância do departamento de comunicação.

Neste contexto, criou-se ao longo dos tempos uma perceção infundada de que alguma liberdade na comunicação possa ter efeitos desportivos negativos. E, no entanto, existe o Paços de Ferreira, não único, mas raro exemplo de abertura aos jornalistas época após época.

O Paços é um clube tão descomplexado que há uns anos até abriu portas a um programa de televisão sobre publicidade, que lhes sugeriu desde um novo hino até um novo emblema.

O Paços não amordaça os protagonistas: aceita praticamente todos os pedidos de entrevista sem reservas, deixa os seus futebolistas falarem na zona mista após os jogos e, mesmo assim, imaginem, está há 13 épocas consecutivas na Liga e já conseguiu um incrível 3.º lugar em 2012/13, que lhe valeu a disputa do play-off de acesso à Liga dos Campeões.

No fundo, o Paços já entendeu há muito que não perde pontos no campo por cada entrevista que concede. Pelo contrário, ganha-os no terreno mediático. E com os jornalistas estabelece uma relação de respeito que é retribuída em rigor e responsabilidade dobrados.

No entanto, o que este clube consegue financeiramente é ainda mais notável do que aquilo permite em termos de comunicação.

Volto ao início: àquele momento entre o final do treino e a entrevista a Mabil (cuja história contámos aqui). Nesse intervalo fui convidado a conhecer o novo espaço do futebol profissional pacense (balneários, ginásio, spa, salas polivalentes), que será inaugurado na receção ao Sporting no final deste mês.

Fica por baixo da bancada nova do topo – a mais recente das duas construídas nos últimos anos. As obras fizeram-se aos poucos porque o clube contou só com recursos próprios, sem recorrer ao crédito bancário.

«Esta bancada foi construída com a receita da transferência do Diogo Jota», informam-me. E eu registo que num país que tem das maiores dívidas externas do mundo e num futebol como o nosso, cujas principais SAD têm passivos astronómicos, há quem faça ponto de honra em ter contas certas e pés assentes na terra.

Por achar este caso exemplar a vários níveis permitam-me um conselho, caros gurus da comunicação e da gestão desportiva do futebol português: sigam o Paços. Estaríamos todos bem melhor se o fizessem.

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«Geraldinos & Arquibaldos» é um espaço de crónica quinzenal da autoria do jornalista Sérgio Pires. O título é inspirado pela expressão criada pelo jornalista e escritor brasileiro Nelson Rodrigues, que distinguia os adeptos do Maracanã entre o povo da geral e a burguesia da arquibancada.