(Isto resolvia-se bem, lá isso resolvia. Escrevia qualquer coisa a meio pau sobre futebol internacional ou sobre um tema genérico; depois, evitada qualquer polémica e cumprida a suposta missão de não me comprometer com nada, saía de fininho: «Pronto, amigos. Então até daqui por 15 dias…»

Acontece que esta semana houve o jogo do ano cá na terra, um Clássico com letra grande, e eu tenho um artigo de opinião para escrever e um acordo tácito de lealdade para cumprir com cada leitor.)

Vamos lá ao Clássico, então.

Gosto muito de Jonas como futebolista. É o melhor avançado a atuar na Liga Portuguesa: inteligente, tecnicista, experiente. Um craque.

Gosto assim-assim de Nuno Espírito Santo como treinador. Reconheço-lhe méritos em betonar uma defesa que era um passador e em cimentar o espírito de grupo. Já não é pouco. Falta-lhe, no fundo, cumprir a distância entre um bom mestre-de-obras e um superlativo mestre da tática.

Ambos são protagonistas no momento que escolho do Clássico, por ser inusitado e simbólico.

Benfica-FC Porto: 7 minutos e 40 segundos de jogo, Jonas sai disparado pela linha lateral na direção do treinador que alegadamente o dispensou do Valência… Trava? Desvia-se? Não. Dá-se uma colisão quase frontal e aparatosa, sucedida de outro choque, desta vez promovido por Maxi.

A interpretação da intenção de Jonas é, naturalmente, falível. Tenho a minha e posso pô-la nestes termos: discordo da versão relatada pelo repórter de pista da Benfica TV, que disse em direto numa transmissão para milhões de telespetadores «Jonas dá um pequeno encosto em Nuno Espírito Santo e em seguida é abalroado por Maxi…»

Picardia, nervos à flor da pele... «É só um momento quente num Clássico», dir-me-ão. Está para lá disso, emendo, porque aquilo de que vos quero falar não é sobre a atitude de Jonas e a reação de Maxi – e, já agora, a contrarreação de Jonas, que olha para o seu ex-colega de equipa e em seguida atira-se para o chão numa teatralização excessiva, que se tornaria sistemática ao longo do jogo.

O que releva deste episódio é a forma como Nuno decidiu não estragar o espetáculo logo no seu início. Foi um gentleman. Em cinco segundos vimos no Benfica-FC Porto de sábado o pior da catimba da Libertadores e o máximo fair-play da Premier League. Em instantes, o paradigma de duas atitudes absolutamente opostas no futebol.

Apreciando muito os dotes de Jonas como jogador e assim-assim os de Nuno como treinador há que elogiar o profissionalismo da atitude do técnico do FC Porto por, cravando os pés no relvado, não se atirar para o chão, tentando uma eventual expulsão do ex-pupilo. E sobretudo pela forma como na conferência de imprensa após a partida foi absolutamente pedagógico na abordagem a um jogo em que saiu vivo (o mesmo aconteceu com o Benfica no Dragão) e a este lance em particular: «Tenho 1,90 metros e 105 quilos. Não sou fácil de derrubar.»

Nuno, que em tantas conferências de imprensa repete conceitos e expressões, teve desta vez uma frase lapidar. Sem o saber, terá feito o melhor resumo do Clássico e da reta final do campeonato.

Tido como um candidato menor ao título no início da época, este FC Porto entra nas derradeiras sete jornadas a um ponto da liderança. Levou um encontrão na Luz, sim, mas decidiu manter os pés no chão e, empatando, continuou de pé e na corrida pelo título.

Nuno pode bem transformar o desabafo em lema e, daqui por diante, vociferar no balneário: «Não somos fáceis de derrubar.»

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«Geraldinos & Arquibaldos» é um espaço de crónica quinzenal da autoria do jornalista Sérgio Pires. O título é inspirado na designação dada pelo jornalista e escritor brasileiro Nelson Rodrigues, que distinguia os adeptos do Maracanã entre o povo da geral e a burguesia da arquibancada.