Não sei de quem é esta foto, senhor guarda. Roubei-a na internet.

Está desfocada, pixelizada, impublicável, mas não encontro melhor forma de emoldurar o orgulho paternal do que este gesto de pintar o nome do filho num pedaço de chão para lá das nuvens.

No topo dos 2760 metros do diabólico Stelvio, na estrada de maior altitude em solo italiano, ali estavam os pais de João Almeida a sofrerem com ele, ao vê-lo perder a camisola rosa que durante 15 dias lhe parecia colada ao corpo.

No início do Giro, este rapaz de 22 anos era para mim um ilustre desconhecido. Então, comecei a espreitá-lo com crescente interesse através da notável transmissão televisiva da Eurosport, até que na etapa do último domingo já dava por mim a acompanhar em pé a chegada e a aplaudir o esforço solitário na subida até Piancavallo.

Eu, não. Nós. Da vila de A-dos Francos, adornada de rosa, ao país inteiro.

João mostrou ter «alma até Almeida». Fez jus a uma expressão tão portuguesa, dedicada à vila fortificada cuja população fronteiriça resistiu estoicamente a cercos e destruições, que se lhe aplica na perfeição: pelo apelido e pelo espírito combativo – e aqui há que sublinhar também a prestação extraordinária de Rúben Guerreiro (outro nome à medida), que está prestes a consagrar-se como rei da montanha no Giro.

João e Rúben fizeram história no ciclismo português. Tal como haviam feito Agostinho, Acácio, Azevedo, Rui Costa. Isso impressiona. O que arrepia, porém, são momentos que transcendem uma dimensão para lá do desporto. Como aquelas imagens de Ana e do marido a apoiarem o filho ali na berma da estrada: um símbolo do amor de pais e de um orgulho que sobe aos píncaros, mais alto do que as montanhas dos Alpes.

Portugal tem muitos filhos pródigos que, fazendo história, dão nomes a ruas. Bem mais raros são os que ganham por direito a honra maior de terem o seu nome escrito nas estradas que beijam o céu.

No final da tal etapa de quinta-feira, no Stelvio, onde perdeu a liderança da Volta a Itália, João Almeida disse obrigado: «Fiquei feliz por ter a minha família e alguns portugueses lá no topo. Até chorei de emoção. Estou-lhes muito grato.»

Nós é que agradecemos, João.

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«Geraldinos & Arquibaldos» é um espaço de crónica quinzenal da autoria do jornalista Sérgio Pires. O título é inspirado pela expressão criada pelo jornalista e escritor brasileiro Nelson Rodrigues, que distinguia os adeptos do Maracanã entre o povo da geral e a burguesia da arquibancada.