Mesmo que fôssemos um país de façanhas desportivas em barda seria de estranhar que uma vitória sobre um campeão europeu numa modalidade de topo a nível continental não mereça qualquer chamada na capa de dois dos três jornais desportivos e, pelo menos, uns minutos dispensados entre as horas de futebol falado nas televisões.

Ou então podemos já saltar para a conclusão de que Portugal é um país de parca cultura desportiva, em que o ecletismo é evocado por moda ou oportunismo, como escape para retirar protagonismo a algum feito futebolístico de um rival.

Não sei se têm reparado, mas o andebol português está numa fase tão notável que faz história quase todas as semanas – de tal forma, que até já temos por aqui um Maisandebol.

Só no último sábado, o FC Porto bateu por oito golos o Vardar (atual campeão europeu; em crise, diga-se), apurando-se para os oitavos de final da Liga dos Campeões. O Sporting perdeu em casa, mas também ainda pode lá chegar, se vencer na Roménia o Dínamo de Bucareste. Enquanto o Benfica segue imbatível no seu grupo da Taça EHF e tem praticamente garantida a passagem aos quartos de final da segunda prova europeia mais importante.

Ainda há um mês, a seleção portuguesa alcançou o sexto lugar no Campeonato da Europa e garantiu uma vaga no torneio pré-olímpico, o que faz do andebol a única modalidade coletiva em que Portugal ainda poderá estar representado nos Jogos de Tóquio.

Aliás, durante essa melhor participação de sempre, a comunicação social tinha acesso facilitado aos protagonistas – como bem poderá atestar o enviado especial do Maisfutebol –, desmistificando essa teoria perfilhada por diversos gabinetes de comunicação de que uma quarentena mediática é sinónimo de absoluta concentração competitiva.

Sim, é possível falar aos jornalistas para chegar ao público e mesmo assim ter sucesso desportivo, vejam só.

Ajuda também o facto de estarmos a lidar com profissionais de alta competição, mas não com superestrelas.

Ao ver um recente jogo entre uma equipa portuguesa e uma das melhores equipas da Europa notei como no final os jogadores passam pela bancada prestando o tributo aos adeptos: cumprimentam-nos, tiram fotos com os miúdos, trocam umas palavras com aqueles que os apoiaram.

Parece que estamos noutra dimensão desportiva, mas na verdade estão ali atletas de elite, que, apesar do reconhecimento pelo seu talento e empenho, não vivem numa bolha.

Estando num patamar não comparável ao do futebol nas mais diversas vertentes, o andebol tem uma expansão na Europa que vai dos países nórdicos aos Balcãs, tem ligas importantes em potências com Alemanha, França ou Espanha e nas grandes competições joga-se em arenas com 20 mil pessoas a assistir.

Em Portugal, é a segunda modalidade coletiva com mais federados: cerca de 50 mil – a título comparativo, o futebol tem 180 mil (dados Pordata) – e neste momento vive uma das expansões mais impressionantes que já se viu numa modalidade por cá.

Muito por mérito de figuras como Magnus Andersson, que faz no FC Porto, campeão nacional e base da seleção nacional (9 dos 18 jogadores no Euro), o que na década de 1990 Aleksander Donner fez no ABC. Mas também há o Sporting, ainda por estes dias elogiado pela EHF, que investiu forte na modalidade e trouxe para Portugal referências da modalidade como Carlos Ruesga; ou o Benfica, que não estando ao mesmo nível dos dois rivais, tem uma equipa de grande nível.

Estando noutro campeonato, sublinhe-se, dá-se o curioso facto de no futebol as equipas portuguesas estarem cada vez mais destinadas a disputar a segunda divisão europeia, como a Liga Europa, enquanto no andebol estão, em sentido inverso, a ascender à elite.

Bastaria um pouco mais de cultura desportiva em Portugal para dar mais atenção e um reconhecimento mais transversal a uma modalidade que tem evoluído como nenhuma outra.

O andebol faz história enquanto nós discutimos penáltis. Talvez por não sabermos argumentar sobre livres de sete metros.

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«Geraldinos & Arquibaldos» é um espaço de crónica quinzenal da autoria do jornalista Sérgio Pires. O título é inspirado pela expressão criada pelo jornalista e escritor brasileiro Nelson Rodrigues, que distinguia os adeptos do Maracanã entre o povo da geral e a burguesia da arquibancada.