27. Para atentarem bem neste número escrevo-o até por extenso: vinte e sete.

A três jornadas do fim da Liga, a diferença pontual entre o quarto e o quinto classificados na tabela é um fosso do tamanho de um campo de futebol.

Rio Ave e Marítimo, que disputam o quinto lugar, que pode valer as competições europeias, estão mais próximos da zona de despromoção – 17 pontos –, da qual já estão a salvo, do que do quarto lugar do Sp. Braga – que está a uns inalcançáveis 27 pontos.

Estas duas equipas são, aliás, embora à tangente, as únicas abaixo do quarteto do topo que não têm mais derrotas do que vitórias nesta temporada.

Conferindo os golos marcados e sofridos, todas as 14 equipas do lote de remediados do futebol luso têm saldo negativo. O que contrasta com os generosos excedentes do quarteto da frente – FC Porto +61, Benfica +58, Sporting +39 e Braga +45.

Se preferirem outras perspetivas: o líder FC Porto dobra, para já, o número de pontos somados por onze equipas; ou, por exemplo, o benfiquista Jonas, que não joga há três jornadas, continua a ter, sozinho, mais golos do que sete equipas no total.

Se preferirem um testemunho, dou-vos este. «Não jogamos à bola há dois meses e continuamos no mesmo lugar», disse-me recentemente um dirigente de um clube de futebol da I Liga. E a verdade é que mais de um mês passou e a sua equipa continua sem «jogar à bola» e bem classificada.

Temos, portanto, dois campeonatos na mesma Liga.

A explicação para este hiato é evidente: os três grandes têm orçamentos que são vinte vezes superiores aos da esmagadora maioria dos restantes clubes e, com os novos contratos de direitos televisivos, recebem facilmente dez vezes mais por época.

Só a centralização dos direitos poderia, em devida altura, ter introduzido algum fator de equilíbrio na competição.

Em contraponto, porém, há que ter em conta que a questão de fundo está bem mais a montante e tem que ver com o número de adeptos: os três grandes açambarcam-nos quase todos.

Sem entrar em contagens megalómanas baseadas em palpites que os reclamam aos milhões, atentemos nas assistências da Liga – apesar de mesmo esses números não serem particularmente fiáveis sobretudo em alguns estádios: a Luz tem uma média de espectadores superior a 50 mil, Dragão e Alvalade têm mais de 40 mil... Seguem-se o Vitória de Guimarães, que tem perto de 16 mil, o Sp. Braga, que tem menos de 12 mil, e depois destes só Marítimo e Boavista ultrapassam os cinco mil espectadores na assistência média por jogo – números já de si empolados pelas receções aos grandes.

Em suma, temos dois campeonatos absolutamente distintos a conviverem na mesma Liga. Duas realidades tão díspares na mesma competição são o contexto para proporcionarem relações de dependência, ou subserviência até.

Será por isso que há quem não se surpreenda ao saber que jogadores emprestados podem servir de moeda de troca à sugestão de treinadores ou a alinhamento de posições na Liga. Tampouco haverá quem se espante com craques que, por castigo, lesão súbita ou até opções de compra fora de tempo, viram indisponíveis em vésperas de jogos importantes ou com as indignações seletivas de alguns responsáveis dos pequenos clubes consoante os prejuízos que sofrem.

Dois campeonatos na mesma Liga é o pano de fundo que favorece as relações de dependência dos pequenos e proporciona ambições de influência aos grandes.

Resistamos, porém, à tentação de mergulhar nessa fossa. Mantenhamo-nos à tona. Limitemo-nos a contemplar o fosso.

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«Geraldinos & Arquibaldos» é um espaço de crónica quinzenal da autoria do jornalista Sérgio Pires. O título é inspirado pela expressão criada pelo jornalista e escritor brasileiro Nelson Rodrigues, que distinguia os adeptos do Maracanã entre o povo da geral e a burguesia da arquibancada.