O mais pequeno mamífero do mundo é um morcego nariz-de-porco-de-kitti. Também conhecida por morcego-abelha, esta espécie, que pode ser encontrada em zonas remotas da Tailândia, pesa em idade adulta dois gramas e tem uma envergadura de apenas três centímetros.

Tem o tamanho de uma falangeta, de uma noz, de um fora-de-jogo.

O «está em linha» morreu, o «benefício para quem ataca» também e a função de «bandeirinha», cada vez menos relevante, também já não está a sentir-se lá muito bem.

A cada fora de jogo «à pele» imagino o vídeo-árbitro a lançar mão de um monóculo de relojoeiro suíço, da régua de alfaiate, do fio de prumo, a abrir a caixa dos instrumentos de precisão e a juntar-lhe o mais sofisticado software do MIT enquanto comunica com o seu assistente e com o técnico que os auxilia: «Forward, forward… Não. Agora é rewind. Rewind outra vez… Pause. Não, foi demasiado. Quando digo para pores pause, é logo pause

Enquanto isso, há dezenas de milhares no estádio e milhões fora dele em suspenso. Os jogadores ficam sem saber o que fazer. O público também. Se se abraça, se grita golo, se rói as unhas e agarra no telemóvel para ver o frame mais nítido.

No sábado, foi no Dragão: um fora-de-jogo de três centímetros a Soares. A 26 de janeiro, foi em Paços de Ferreira: a Pizzi por quatro centímetros. A 5 de janeiro, foi por seis a Bruno Moreira, do Rio Ave.

«Mas se as linhas estão lá, portanto, é infalível», dir-me-ão. Será mesmo?

Aquando do fora-de-jogo de Pizzi escreveu o Benfica que a própria empresa fornecedora da tecnologia admite a necessidade de se considerar uma margem de erro de cinco centímetros na avaliação.

Em agosto de 2019, aquando do fora-de-jogo de 2,4 centímetros de Rahem Sterling num Manchester City-Tottenham, o Daily Mail escreveu um interessante artigo sobre o tema, salientando que, considerando todas as condicionantes, a margem de erro poderia atingir os 13 centímetros.

Por sua vez, o secretário geral do International Board, Lukas Brud, que defende a legitimidade de foras-de-jogo de um centímetro, reconhece, aqui citado pelo Independent, que «haver um erro claro e óbvio é um princípio importante» para a alteração de uma decisão pelo VAR, acrescentando: «Não se deve gastar muito tempo para encontrar algo que é marginal.»

Eu, defensor do VAR, me confesso: o futebol deixa de ser o que conhecíamos e passa a ser outra coisa quando se demoram longos seis minutos para descobrir um impedimento de curtos três centímetros. Sobretudo quando se analisa com meticulosidade lances duvidosos e se deixa escapar em claro erros evidentes.

Não vão por mim, mas sim por Aleksander Ceferin.

O presidente da UEFA tem apresentado argumentos válidos tanto para discussão dos foras-de-jogo como para «a problemática mão na bola», cuja interpretação divergente pode ser do mais antifutebol que pode haver, abrindo-se a possibilidade de haver jogadores que chutam a bola de propósito para a mão do adversário na área, o que, com o clamor do público nas bancadas, pode proporcionar uma catadupa de penáltis do mais ingrato que pode haver.

Mas, voltando ao offside, há que recordar o que dizia Ceferin na última sexta-feira: «Um centímetro fora-de-jogo não é fora-de-jogo. Não é esse o significado da regra. Tem que haver um erro óbvio e decisivo para que o VAR intervenha […] É essencial haver linhas mais grossas porque a linha é colocada de forma subjetiva. Não existe precisão exata e um centímetro pode arruinar a época de um clube.»

Em dezembro, Ceferin já tinha lançado o alerta. «Se tiveres um nariz grande [como Ibrahimovic, por exemplo], ficas mais vezes em fora-de-jogo», defendendo que a UEFA vai propor «uma margem de 10 ou 20 centímetros» neste tipo de lances. Uma margem que permitiria ao árbitro assistente decidir juntamente com o árbitro e ao VAR intervir quando determinado fora-de-jogo fosse evidente e demonstrável pela imagem.

Ceferin já fez um caminho que o International Board ainda está a trilhar. Sendo o VAR uma ajuda preciosa, há que não transformar o futebol em geometria descritiva.

A solução mais evidente será esta: «intervir quando o erro é claro e óbvio». O desafio é ainda mais manifesto: defender a verdade desportiva sem matar a essência do jogo.

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«Geraldinos & Arquibaldos» é um espaço de crónica quinzenal da autoria do jornalista Sérgio Pires. O título é inspirado pela expressão criada pelo jornalista e escritor brasileiro Nelson Rodrigues, que distinguia os adeptos do Maracanã entre o povo da geral e a burguesia da arquibancada.