«Quando fazemos um contrato com um treinador, é para cumprir. E assim será […] Rui Vitória tem feito um trabalho fantástico. Consegue equipas competitivas todos os anos, sem esquecer a formação. É o homem certo para o projeto que o Benfica quer. Por minha vontade, fica até ao final do contrato. [junho de 2020]»

Entrevista à TVI, 30 de outubro de 2018

«Há um descontentamento generalizado dos benfiquistas, mas para o projeto é importante que Rui Vitória continue. Nos primeiros dois anos, ganhou seis títulos e foi o treinador do ano. […] A decisão de manter Vitória foi uma luz que me deu. Acredito que é por ali que vamos.»

Conferência de imprensa, 29 de novembro de 2018

«O Rui... ainda vão ter muitas saudades dele. [Olhando para a câmara] Um abraço para ti! Saiu porque achou que não era a melhor solução para o Benfica. Foi muito fácil, pôs o lugar à disposição.»

Programa da manhã da SIC, 7 de janeiro de 2019

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Se no futebol «o que hoje é verdade, amanhã é mentira», os dois meses e uma semana que medeiam estas declarações do presidente do Benfica sobre Rui Vitória representam uma eternidade.

No futebol, os resultados ditam as regras do jogo, pelo que é perfeitamente possível que uma mudança de perceção do presidente encarnado, as opiniões divergentes na administração ou a pressão dos adeptos tenham ditado a saída do treinador.

Mais do que a mudança de opinião, porém, o que é de relevar aqui é a forma como esta foi sendo formada e comunicada.

Nos últimos meses, Luís Filipe Vieira parecia dar os sinais certos em termos de comunicação: mostrou disponibilidade para enfrentar uma entrevista a sério – daquelas em que têm um jornalista pela frente e não um funcionário do clube – e em seguida assumiu com clareza numa conferência de imprensa de facto – daquelas com direito a perguntas – os passos do processo que levou à demissão e readmissão de Rui Vitória.

Precisamente por esse histórico recente é que, chegados a este momento definidor, era expectável uma explicação cabal para que, depois de um denominado período de retoma – com sete vitórias consecutivas e um apuramento para a final four da Taça da Liga –, a primeira derrota depois da crise desencadeasse a saída de Rui Vitória do comando técnico do Benfica.

Desta vez, porém, Vieira resguardou-se numa entrevista amigável num programa da manhã, espartilhada entre rubricas e chamadas de valor acrescentado, com uma cartada pelo meio.

Não havendo jornalistas na sala, ficaram quase todas as perguntas por responder.

Sem respostas, sobram os enigmas.

A começar pela longa espera da equipa saudita do Al Nassr, previsível destino de Vitória, que está há dois meses para substituir o uruguaio Daniel Carreño no comando técnico e desde então tem sido orientada pelo diretor desportivo Hélder Cristóvão (ex-treinador do Benfica B). Continuando pela tomada de posição de Rui Vitória, que há um mês dizia ter condições para continuar e terá deixado de as ter ao perder um jogo, após uma sequência de sete vitórias e um empate. Prosseguindo no facto de, apesar de a saída de Vitória ter sido cogitada há um mês, a procura de um sucessor só ter sido aparentemente iniciada esta semana. Até, entre outras questões, culminar com esta mensagem de Vieira, que pode sugerir uma interpretação dúbia relativamente aos destinatários: «Ainda vão ter muitas saudades de Rui Vitória...»

Subsistem, portanto, estas e outras dúvidas sobre o processo que levou à saída de Rui Vitória.

Esclarecê-las não era um favor que o presidente do Benfica estaria a fazer aos jornalistas. É uma dívida que tem, pelo menos, para com os seus adeptos.

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«Geraldinos & Arquibaldos» é um espaço de crónica quinzenal da autoria do jornalista Sérgio Pires. O título é inspirado pela expressão criada pelo jornalista e escritor brasileiro Nelson Rodrigues, que distinguia os adeptos do Maracanã entre o povo da geral e a burguesia da arquibancada.