Jesus saiu e não volta mais. É o fim de uma ideia. A de Jesus e o Benfica. Essa ideia, aliás, já tinha tido uma vida vivida: uma paixão em 2009/10, os problemas matrimoniais seguintes, a felicidade de um bicampeonato, depois um divórcio que envolveu tribunais e uma cerimónia fúnebre. Até que Vieira a ressuscitou para um resultado desastroso: o maior investimento de todos terminou em zero troféus, num futebol que raras vezes entusiasmou e ainda colocou todas as dúvidas onde elas não deviam existir: no que iria suceder à formação.

O regresso de Jorge Jesus nunca foi consensual no Benfica. Não o foi na estrutura, muito menos entre adeptos. Pressionado no plano desportivo, cercado no judicial, Vieira achou que Jesus e um forte investimento eram garantia de que as vozes discordantes iriam emudecer.

Com desconfiança da bancada, Jesus iria ser julgado pelos resultados. Até que deixou de ser julgado por eles. Numa primeira fase, o currículo de JJ deu-lhe crédito. Apesar de discordantes, essas vozes do protesto ainda assim esperavam resultados. Afinal, tinham contratado um treinador que tinha posto a jogar bem as equipas por onde passara e pelas quais, nalgumas delas, a maioria, conquistou títulos importantes. O problema, portanto, era de feitio e não técnico. Numa coisa era certa: o Benfica inteiro sabia quem recontratara.

Desde esse primeiro dia do regresso, da promessa de um futebol arrasador até à vitória sobre o Dínamo Kiev, houve toda uma era do futebol português que terminou. A de Jesus.

E ela, essa era, merece um parágrafo.

Jorge Jesus foi a figura mais marcante do campeonato português da última década. O seu 4x4x2 de 2009/10 influenciou uma série de treinadores, as derrotas nos anos seguintes para o FC Porto foram também elas marcantes e deixaram-no no centro de todas as atenções. Um centro em que ele continuou ao vencer mais dois campeonatos pelo Benfica. Até que saiu. Para o Sporting. Em conflito com a Luz. Nos leões viveu um dos episódios mais tristes do futebol português. As derrotas foram igualmente marcantes. Portanto, Jesus era figura central, fosse qual fosse o resultado. Mesmo lá fora, Jesus esteve sempre presente cá dentro. Como um «fantasma» de Rui Vitória e depois de Bruno Lage, como o próprio Lage bem sabe. Pelo meio, ganhou uma independência financeira que influenciou, também ela, o último ano e meio.

Jesus deixou de ser julgado pelos resultados após o Benfica, 1-Sporting, 3. Nesse dia, simbólico pela mudança em curso no futebol português [caso não tenha reparado, há uma crescente era Amorim em campo e, admite-se, talvez fora dele], o treinador passou a ser avaliado pelos comportamentos. Atos e comunicações iriam ser analisadas ao detalhe. O jogo com o Dínamo Kiev foi o sinal mais claro que Jesus era um fator de distúrbio. Desunia a bancada do banco do treinador e ameaçava chegar ao camarote presidencial. A única união que se viu foi entre adeptos e jogadores. Nesse dia, devia ter sido claro para todos o desfecho que hoje se anunciou. Mas nem com uma assobiadela unânime na Luz treinador e direção perceberam o que foi audível: não havia condições para Jorge Jesus cumprir contrato. Mais cedo ou mais tarde, Jesus sairia.

Foi mais tarde, portanto, mas foi. Não pelos resultados, mas pelos atos e comportamentos.  A independência financeira deu a Jesus ainda mais liberdade [o mais é porque ela acrescenta à personalidade de JJ] para agir como quiser, inclusive para receber dirigentes de um clube que o quer(ia) contratar a dois dias de jogar no Dragão: até agora, o lado mais surreal dos últimos dias. Até porque, todos ouvimos, João de Deus disse que a direção benfiquista autorizou. Em suma, a direção do Benfica deixou Jesus fazer o que queria; e se não deixou, ou nem sabia, Jesus fez o que queria na mesma. Teve, ou deram-lhe, liberdade para isso. E aqui, alguém tem de ser «chamado à pedra».

Infelizmente para o Benfica, a única coisa que pareceu normal foi a derrota no Dragão. Pois chegámos ao ponto de esta terça-feira madrugar com um alegado movimento de capitães, um motim de quem chegou a um limite. A ideia que passou foi esta: foram os jogadores que, perante tudo, aceitaram o conflito. Essa perceção nunca pode ser boa para a liderança. Em última análise nem benéfica é para os próprios futebolistas. Portanto, aqui chegados, há algumas conclusões a tirar.

A primeira está no início deste texto: a ideia Jesus e Benfica acabou. Talvez tenha acabado a de Jesus e o Sporting e a de Jesus e o FC Porto.

Quanto a Rui Costa: também não sai bem da fotografia. A direção do Benfica preferiu jogar nos bastidores em vez ser firme e clara nas decisões. Mas tem uma oportunidade de, a partir de agora, construir o paradigma futebolístico que quiser. E ser, obviamente, julgado por ele.