Durante muitos anos a especialidade do futebol português foi formar extremos de qualidade. Jogadores munidos de um manual de recursos técnicos, rápidos, verticais, capazes de trocar os olhos a qualquer lateral. Até a Roberto Carlos.
 
Tivemos Figo, lá está, mas também Simões, José Augusto, Chalana, Jaime Magalhães, Vítor Paneira, Pedro Barbosa, Sérgio Conceição ou Simão Sabrosa. Hoje em dia ainda temos Nani, Quaresma ou Cristiano Ronaldo, entre outros, mas o campo de recrutamento reduziu, até tendo em conta que o capitão da equipa das quinas joga cada vez mais na área (tanto na Seleção como no Real Madrid, que até moldaram o desenho tático para ir ao encontro das características da sua principal figura).
 
A Seleção serve de referência, e se tivermos em conta as opções atuais de Fernando Santos – antes de pensarmos no que está para sair do «forno» -, então fica a sensação que a especialidade lusa agora é outra: médios. Daqueles completos. Que podem ser «6» ou «10», mas que no fundo são «8».
 
Não quer dizer que o futebol português os tenha em abundância (há algo que tenha?), mas parece a posição mais equilibrada nas opções. E com o equilíbrio como preocupação principal, o selecionador Fernando Santos não hesitou em tirar proveito destas soluções. Reforçou o «miolo», com losango mais ou menos vincado, conforme a circunstância, e recorreu a esses «equilibradores».
 
João Moutinho é o principal, claro, a esse respeito basta ler isto. Mas a Seleção tem ainda Tiago, que embora se tenha fixado mais com o passar dos anos sempre foi um «8». E daqueles que iniciava os ataque, depois ia desequilibrar entre linhas e no fim ainda aparecia na área para finalizar. E se há alguém que faz lembrar o Tiago dos 20 anos é André Gomes, pela capacidade para assumir igual preponderância nas várias fases da construção ofensiva, pela «passada larga», pela qualidade de passe, pela dinâmica que pode incutir à circulação de bola.
 
E depois ainda há João Mário, Adrien, André André ou até o «novo» Pizzi, reinventado por Jorge Jesus. Procurando além das escolhas recentes de Fernando Santos ainda encontramos Rúben Amorim, Pedro Tiba, Paulo Machado e Castro. E não esqueçamos Raul Meireles nesta questão, mesmo que já não faça parte das convocatórias da Seleção.
 
Que este texto não seja visto como um elogio à quebra na produção de extremos. Longe disso. No futebol deve existir sempre espaço para a irreverência, para o risco, para a iniciativa, por mais que se insista em querer contrariar isso. E por isso é bom projetar o futuro de Bruma, Ricardo Horta, Carlos Mané ou Gelson Martins e Nuno Santos.
 
Aqui constata-se apenas que a especialidade portuguesa mudou, nos últimos anos, e ter vários médios com esta qualidade nunca pode ser negativo. Que o equilíbrio é sempre positivo quando é apenas a base para outras virtudes.

«4x4x3» é um espaço de análise técnico-tática do jornalista Nuno Travassos. Siga-o no Twitter.