Riscar o termo «trinco» do dicionário de futebolês pode ser exagerado, mas hoje em dia faz pouco sentido olhar para esse médio como alguém que se limita a fechar portas. Eles ainda existem, é verdade, mas o futebol atual exige mais, sobretudo a quem representa equipas que lutam por títulos.
 
Quem alimenta tais ambições não se pode dar ao luxo de ter um elemento a menos para atacar, para procurar desequilibrar os adversários, muitos deles à espera do erro para a transição rápida.
 
É por isso que Jorge Jesus, por exemplo, assume que esta é a posição mais exigente dentro do seu modelo de jogo. Contratados esta época, Samaris e Cristante estão em processo de adaptação às ideias do técnico, que procura moldar alguém o mais possível à imagem de Matic. Alguém que tenha um raio de ação alargado a nível defensivo, com passada larga que permita encostar de imediato no jogador adversário que recebe a bola na zona intermédia, mas que depois também tenha capacidade de passe para empurrar a equipa para a frente, que seja muito vertical nesse aspeto.
 
O Benfica não pratica um futebol muito rendilhado, prefere lançar rapidamente os elementos mais adiantados, apanhar o adversário descompensado. E para isso é preciso que o médio mais recuado seja influente na primeira fase de construção, que seja capaz de fazer a bola entrar no espaço entre linhas.
 
E se Samaris parece mais sólido do que Cristante na vertente defensiva, na pressão, o italiano mostrou, no último jogo, que o seu forte é o plano ofensivo. Voltou a destacar-se a sua capacidade de passe, tanto a encontrar fendas na muralha do Moreirense como a fazer a bola passar por cima da mesma. É o ADN de regista italiano, que por outro lado contempla também aquela tendência para fazer o lugar de «cadeirinha», tendo em conta a postura habitualmente expectante do calcio.
 
Em Alvalade a ideia não é muito diferente, embora o Sporting jogue com três unidades na zona central (e o Benfica apenas duas), Marco Silva gosta que o médio mais posicional contribua também para a circulação de bola. A equipa arrisca mais ofensivamente do que arriscava com Leonardo Jardim, e o novo técnico quer que o terceiro médio seja mais dinâmico. Percebe-se isso também quando Rosell joga, como agora frente ao Sp. Espinho.
 
Mas é um papel alargado que William Carvalho tem sentido algumas dificuldades em interpretar. Para além da questão física, o médio parece perder-se um pouco fora da sua zona de conforto. Decide mal no passe, deslumbra-se muitas vezes com a possibilidade de remate.
 
E nesta tentativa de aumentar o raio de ação acaba por tornar-se menos eficaz naquilo em que se destacava mais: a capacidade para «absorver» tudo o que aparecia ali no seu território. William também sabe ser vertical no passe, mas sobretudo quando acaba de recuperar a bola e pode procurar lançar um jogador rápido na frente. É bem menos influente quando é preciso «inventar» espaços num adversário fechado, e não estranha por isso que Marco Silva já tenha prescindido dele duas vezes quando era preciso inverter um resultado desfavorável.
 
No FC Porto pede-se algo diferente. Julen Lopetegui é fiel à escola espanhola de um futebol de proximidade, apoiado, que vai de passe em passe à procura do desequilíbrio. E por isso o «6» não tem de ser vertical no passe. A Casemiro, que tem sido a opção principal (ou a Rúben Neves), pede-se que sejam uma linha de passe sempre disponível na primeira fase de construção. Que naquela vontade de sair sempre a jogar, mesmo sob pressão, sejam um «porto de abrigo», sobretudo para centrais e laterais.
 
Mas seja qual for o «grande», seja qual for a ideia de jogo, faz pouco sentido ter um «trinco» só para fechar portas.
 
«4x4x3» é um espaço de análise técnico-tática do jornalista Nuno Travassos. Siga-o no Twitter