Ponto prévio de análise: perder em casa com a Albânia é vergonhoso. Um escândalo de dimensão internacional, que entra para a lista negra dos piores resultados da história da Seleção.

Se quisermos pensar que não é vergonhoso, então é porque já não achamos que Portugal é uma seleção com ambições reais de chegar longe nas provas internacionais.

No futebol tudo é possível? Certo. Mas quem viu o encontro de Aveiro percebe a ideia. Não foi «azar». Não foi daqueles casos em que «a exibição foi melhor que o resultado». Foi mesmo muito mau.

Segundo ponto de análise: a culpa é de Paulo Bento? Mais devagar. Não quer dizer que não seja em parte. Mas daí até acharmos que este resultado obriga a um despedimento do selecionador vai um grande passo. Antes fosse assim tão simples.

Não é.    

Maus hábitos

Um mau jogo não define um trabalho de anos. Muito menos numa seleção. Mas o encontro de Aveiro não foi mau: foi péssimo. Portugal apresentou-se sem ideias. Sem brilho. Sem rasgo. Sem alegria. Sem dinâmica vencedora.

A nossa Seleção tem o péssimo hábito de arrancar mal, deixando as coisas para o fim, confiando na tradição de que, sobre a linha da meta, as coisas se resolvem. Para 2010, 2012 e 2014, a receita foi sempre a mesma: garantir no play-off. À queima. No limite.

Esta campanha para 2016 tem uma agravante, que quase convida a esta atitude laxista: apuram-se os dois primeiros, o melhor terceiro e ainda mais quatro dos restantes oito terceiros.

No limite, em grupo teoricamente acessível, por muito mal que as coisas nos corram, Dinamarca e Sérvia até poderiam ficar nos dois primeiros e Portugal apurar-se como melhor terceiro ou (lá está) passarmos, pela quarta vez seguida, por via de um play-off (sendo que, desta vez, os restantes terceiros não devem ser adversários especialmente cotados).

Não por acaso, o presidente da FPF, Fernando Gomes, em declaração de lançamento para a qualificação, observava que fundamental será «estarmos em França no Euro-2016. Não interessa forma de chegar lá. Mas temos que conseguir».

O recado estava dado, mas ao mesmo tempo aparecia nele, implicitamente, o reconhecimento de uma atitude difícil de compreender, que talvez exija uma análise da forma de ser português: deixar para amanhã o que podia começar a garantir-se hoje.

Mas o jogo de Aveiro mostrou outro pecado da Seleção: facilitar perante adversário teoricamente mais fraco. Depois de desempenho frustrante no Brasil-14, essa atitude revela-se ainda mais indesculpável.

Cinco semanas para repensar (quase) tudo

A questão central é: que grau de culpa tem Paulo Bento nisto? Terá uma parte dela, sem dúvida, como responsável técnico, aquele que faz as escolhas, que determina a tática, quem determina a estratégia e tem a obrigação de motivar os jogadores.

Terá sido o desaire de Aveiro suficiente para
ditar o fim da era Paulo Bento?

Em resposta «sim» ou «não», respondo não. Mas, pelo menos, abriu-se um capítulo diferente. Uma espécie de «última oportunidade» que o selecionador terá que agarrar, já na Dinamarca, caso pretenda evitar uma situação potencialmente insustentável.

14 de outubro é a nova data mágica para a «era Paulo Bento» na FPF. Perder na Dinamarca, com nova exibição frustrante, talvez fosse conjugação letal para o futuro deste selecionador.

Em futebol, os resultados não podem ser tudo. Mas a junção da deceção do Mundial com o escândalo de Aveiro tem que ter, pelo menos, uma leitura.

O pós Aveiro não deve ter permitido grande espaço para a reflexão, dado o grau (totalmente legítimo e justificado) de críticas e contestação desde domingo à noite.

Importa aproveitar as críticas mais construtivas e fazer delas uma aprendizagem. Os próximos tempos devem passar por aí. Faltam cinco semanas para a partida na Dinamarca. E há escolhas a fazer: retomar a base que atuou no Brasil-14 ou manter a via da «renovação»?

E uma coisa é certa: não se pode querer uma coisa e o seu contrário. Se Bento foi alvo de críticas justas por ter preservado demais «os seus» no Brasil, não pode agora ser alvo de críticas por ter mudado demais.

André Gomes em vez de Meireles? Até parecia fazer sentido. William em vez de Veloso? Mas não foi isso que muitos exigiam nos jogos do Mundial?

A questão chave talvez seja outra: será que Paulo Bento é a pessoa certa para assumir esse trabalho ou fará sentido pensar numa mudança técnica, que passe, por exemplo, pela contratação de Fernando Santos, que depois do excelente trabalho feito na Grécia teria o currículo certo para pegar agora na Seleção Nacional?

Todas as perguntas são legítimas. Quem manda terá que saber encontrar as respostas certas.

Nesta fase, prefiro não colocar a saída de Paulo Bento como dado crucial. Creio que uma vitória na Dinamarca poderá dar novo fôlego a um técnico que tem mais dois anos de contrato. Mas poderá estar perto o ponto de se concluir que o selecionador será mais parte do problema que da solução.  

Voltar a acontecer um escândalo como o de Aveiro é que não. A menos que a ideia seja a de deixar de olhar para a Seleção como uma equipa habitualmente vencedora. E
quero acreditar que ainda não chegámos a esse ponto.

Habituem-se: há menos qualidade. Ponto

Outra coisa, bem distinta, é reconhecer que há menos qualidade nesta Seleção do que havia, por exemplo, há dois anos e dois meses, quando Portugal esteve a um remate à barra de chegar à final do Euro-2012. 

Temos que nos habituar à ideia: o lote de jogadores «selecionáveis» é, hoje, de qualidade muito inferior ao que era há dez, cinco ou mesmo dois anos. 

E isso tem consequências.    

O paradoxo dos «jovens»

Há um óbvio paradoxo na atual fase da Seleção. Toda a gente fala em «renovação» e em «aproveitar os jovens talentos». Mas a questão imediata é esta: que tipo de retorno poderá ter a Seleção principal, para esta fase de qualificação para o Euro-2016, dos bons resultados obtidos pelas jovens seleções nacionais nos últimos anos?

Quantos dos melhores elementos dos finalistas do Mundial sub-20 de 2011 ou do Euro sub-19 deste ano teriam condições de assumir as despesas da Seleção principal neste momento? Ou mesmo dos jogadores que, esta terça, completaram série 100% vitoriosa no grupo de qualificação para o euro sub-21 de 2015?

Um dos dados mais preocupantes do que aconteceu em Aveiro teve a ver com a falta de capacidade de resposta a um cenário adverso, depois do golo da Albânia. Portugal teve mais de meia-hora para dar a volta e evitar o escândalo. E notou-se, claramente, falta de «peso de Seleção» em elementos como Éder, Vieirinha ou Ricardo Horta. 

Renovar, sim. Mas o escândalo de Aveiro mostrou que tem mesmo que ser devagar. 

O fator CR7

Pois, voltou a notar-se a falta do capitão, melhor jogador português e, provavelmente, melhor jogador do Mundo.

Sem Cristiano Ronaldo, esta Seleção vale muito menos. Já sabíamos, mas o desastre com a Albânia recordou-nos com estrondo que Portugal fica sobrevalorizado com a presença (e a inspiração) de um jogador extraordinário. É ótimo contar com tamanha mais-valia, mas por vezes é preocupante para o equilíbrio de um coletivo depender tanto da sua maior estrela. 

Vamos a tempo de estar no França-2016. Falta saber se ainda vamos a tempo de voltarmos a ter uma grande Seleção.


«Nem de propósito» é uma rubrica de opinião e análise da autoria do jornalista Germano Almeida. Sobre futebol (português e internacional) e às vezes sobre outros temas. Hoje em dia, tudo tem a ver com tudo, não é o que dizem?