Adoro Mundiais e não perco um desde 1986. Nasci no último dia de abril de 1978, no mundial realizado e ganho pela Argentina tinha dois meses. 

No Espanha-1982 os meus quatro anos fazem-me ter memórias muito vagas do «Naranjito», a mascote da prova, mais do que futebol praticado, que os meus amigos mais velhos me garantem ter sido do melhor exibido em várias décadas.

Sim, o Brasil de Telê Santana é bem capaz de ter passado ao lado da história (Zico, Falcão, Sócrates e Toninho Cerezo...), mas só posso falar do que vi, muitos anos depois, em resumos e, agora mais recentemente, no YouTube. Dizem-me que pior «9» que Fred deste escrete só mesmo Serginho no Espanha-1982, mas não posso confirmar.

Mas o que posso mesmo dizer é que, desde o México-1986, o primeiro Mundial de que me lembro verdadeiramente de acompanhar, o Brasil-14 tem sido o melhor. O mais entusiasmante. O que somou maior número de jogos interessantes de seguir. O que teve melhores golos. O que mostrou surpresas mais inesperadas.

Até aos oitavos foi poesia

É certo que os «quartos» não acompanharam a excelente qualidade da fase de grupos e dos «oitavos». Mas só o que aconteceu nas partidas já realizadas, independentemente do que vier a acontecer até dia 13, já é suficiente para que guardemos este Brasil-14 no lote dos melhores momentos que o futebol internacional nos reservou nas últimas décadas. 
 
Podia falar do
Alemanha-Argélia, esse jogo memorável, exemplo de como duas seleções tão diferentes podem proporcionar um duelo de livro. Ou do Bélgica-EUA, prolongamento inesquecível, com Tim Howard a assinar exibição individual para a história (até Barack Obama já admitiu ter alternativa para secretário da Defesa, se Chuck Hagel deixar vago o cargo no Pentágono...). 

Ou ainda dos dois primeiros jogos da Inglaterra, derrotas com Itália e Uruguai mas com exibições que deixam água na boca para acompanhar atentamente a equipa de Roy Hodgson no França-2016. Ou da extraordinária segunda parte do Alemanha-Gana à segunda jornada do nosso grupo G de má memória, mas com um duelo entre alemães e ganeses que mostrou um dos melhores jogos deste belo Mundial. Inesquecível também a «remontada» holandesa sobre a Espanha (de 1-0 para 1-5, com um voo de Van Persie e recital ofensivo de Robben), ou Luis Suarez, a «ressuscitar» o Uruguai e exibição épica com a Inglaterra, mas depois a comprometer a sua seleção com a «dentada» inacreditável a Chiellini.

E também houve, claro, os guarda-redes: notável galeria de «keepers» de topo. De Manuel Neuer já se esperaria, mas sem dúvida que Keylor Navas (Costa Rica), Tim Howard (EUA), Ochoa (México), Bravo (Chile, com contrato com o Barça entretanto já garantido) e Mbolhi (Argélia, jogo inesquecível com a Alemanha) ultrapassaram quaisquer expetativas.

Uma vénia a «Los Ticos»

Mas histórico, histórico foi mesmo o desempenho da Costa Rica. Por tudo.

Porque quase todos imaginavam que os «Ticos» seriam o «patinho feio» de grupo que tinha três campeões do Mundo (Itália, Inglaterra, Uruguai).

As apostas eram sobre se a Costa Rica iria sair ao menos com um ponto conquistado em agrupamento tão letal. Pois bem, a seleção centro-americana somou sete pontos, fruto de dois triunfos justíssimos sobre Uruguai (3-1, depois de estarem a perder 0-1) e Itália (1-0, mas com vitória clara, em jogo que os costa-riquenhos controlaram). Mesmo o empate com Inglaterra, com o primeiro lugar já garantido, foi desfecho normal.

Depois desses três jogos, assumidos pelos «Ticos» com especial competência, a Costa Rica passou a ser, por direito próprio, a grande história deste Brasil-14. Não só pelos resultados, mas sobretudo pela qualidade demonstrada por esta admirável seleção costa-riquenha.

O desempenho histórico prosseguiu nos «oitavos», com a eliminação da Grécia. E com a chegada ao desempate por grandes penalidades, frente à poderosa Holanda, a mesma que tinha «aviado» a campeã do Mundo por 1-5, na jornada inaugural.

Na verdade, gostei um pouco menos da Costa Rica na fase a eliminar. Com a Grécia, a equipa de Jorge Luis Pinto assumiu a pele do adversário e fez um jogo de contenção, mostrando menos talento do que nos primeiros três jogos. Essa estratégia foi levada ao limite frente à Holanda, sobretudo no prolongamento, mas... quem poderá censurar a modesta Costa Rica de ter tentado um 50/50 frente à «laranja mecânica», que em situação normal eliminaria os costa-riquenhos nos 90 ou, pelo menos, nos 120?

Mistura certa

Mas é só mesmo elogios, aquilo que esta Costa Rica merece ouvir.

A começar pelo guarda-redes, claro: Keylor Navas, figura maior dos «Ticos» e de um dos grandes destaques individuais do Brasil-14. Pela qualidade. Pela força interior. Pela elasticidade. Pela noção de «triunfo» que exalava a toda a equipa. Mesmo depois de Van Gaal ter revelado que a razão principal de ter trocado Cilessen por Tim Krul no momento dos penalties (conselho do técnico de guarda-redes, que o selecionador holandês decidiu seguir), ninguém me tira da cabeça que Van Gaal quis aproveitar o lançamento-surpresa de Krul para retirar o foco em Navas, em quem todos apostavam como sendo o guarda-redes que tinha tudo para ser o herói dos penalties.

Mas esta Costa Rica está bem longe de ser apenas o super Keylor Navas na baliza.

A defesa de cinco unidades foi um exemplo de organização: pela eficácia, claro (melhor defesa do Mundial, apenas dois golos sofridos em 510 minutos, numa média impressionante de apenas um golo por 255...), mas também pela capacidade que a Costa Rica mostrava em ter em juntar disciplina defensiva com potencial em pegar no jogo.

Para isso ser possível, dois elementos tinham especial importância: Gamboa e Diaz, laterais a defender e elementos com capacidade para se tornarem médios e mesmo extremos, dando profundidade ao jogo costa-riquenho.

Borges, o número 5, é um médio que aparece, por vezes de forma desconcertante, na área contrária, firmando-se como melhor marcador da equipa durante a qualificação (como Fernando Santos, uma das «vítimas» desta Costa Rica neste Mundial, bem recordou). Bryan Ruiz, capitão e referência da equipa, será a peça mais dotada do ponto de vista técnico. Apesar do penálti falhado com a Holanda, a verdade é que a experiência de Ruiz (joga no futebol europeu há oito anos) foi útil em diversos momentos.

Tejeda e Bolaños são dois médios interessantes: trabalhadores mas com qualidade técnica apreciável. E, claro, ainda havia Joel Campbell, que na primeira jornada deu «sopa» aos uruguaios e, mesmo não tendo voltado a assinar exibição tão brilhante, foi sempre uma unidade temida pelas defesas adversárias.

Até já, então, costa-riquenhos...

Não foi a primeira vez que a Costa Rica passou a fase de grupos.

Em 1990, «Los Ticos» passaram aos oitavos, como bem conta o Pedro Jorge da Cunha neste «Play». Em 2002, segunda presença em fases finais, desta vez sem atingir os «oitavos», mas em grupo com Brasil (campeão desse anos) e Turquia, que iria chegar às meias-finais.

Embora tenham já mostrado qualidade nas primeiras duas apresentações em Mundiais, nada se compara, por isso, ao que os «Ticos» fizeram neste Brasil-14.

Se os Campeonatos do Mundo já se habituaram a ver o México e os EUA a passaram da fase de grupos, passou a haver uma terceira seleção da CONCACAF (América do Norte e Central) com créditos próprios, que iremos olhar, em futuros Mundiais, com mais atenção: a Costa Rica, pois claro.

«Nem de propósito» é uma rubrica de opinião e análise da autoria do jornalista Germano Almeida. Sobre futebol (português e internacional) e às vezes sobre outros temas. Hoje em dia, tudo tem a ver com tudo, não é o que dizem?