Einstein dizia conhecer duas coisas infinitas: o universo e a estupidez humana. «Embora, em relação ao universo, não haja certezas sobre isso», emendava Albert.
 
Se o génio alemão, criador da teoria da relatividade geral, voltasse ao mundo dos vivos e tivesse o mínimo interesse pelo futebol português, acrescentaria por certo um terceiro elemento infinito: a capacidade de se olhar para o que menos interessa e deixar escapar coisas essenciais.

O excessivo foco nos três grandes é logo o primeiro desvio: tende a fazer-nos perder demasiado tempo em aspetos que não fazem a diferença (e sim, estou a falar dos programas de discussão televisiva de domingo e segunda à noite) e esgota a possibilidade de se dedicar um tempo suficiente para descobrirmos o que de bom acontece no resto (porque a atenção das pessoas é limitada). 

Essas críticas, como jornalista, ouço-as há anos, da parte de dirigentes, treinadores, jogadores e adeptos de equipas menos cotadas. E cada vez mais sinto que, no geral (há sempre boas e más exceções), elas  têm fundamento.

É possível fugir a isto? Tem que ser. 

O mais curioso é que, quando se tenta fazê-lo, quase sempre percebemos que valeu a pena. Porque há mesmo muitos pormenores nos clubes menos visíveis que não nos deviam escapar. 
 
Vitamina Viterbo
 
Neste terço final de campeonato, cada equipa começa a lançar os seus últimos trunfos, em nome da salvação.
 
Se lá por cima qualquer deslize pode complicar ambições de título (Benfica e FC Porto) ou de acesso à Champions (Sporting e FC Porto) e à Europa (Sp. Braga, V. Guimarães, eventualmente ainda Belenenses ou Paços e até Nacional e Rio Ave, via Taça), cá mais para baixo passa-se o inverso: qualquer ponto somado pode ser precioso.

O que se tem passado com a Académica nas últimas semanas merece atenção. 

Será só o «efeito chicotada»? Em que consistirá mesmo essa «vitamina Viterbo», esse herói improvável que deu à Briosa, em apenas três jogos, metade dos pontos que tinha averbado nos anteriores 21?

Vitória no Estoril, empate em casa com o Arouca, vitória em Moreira de Cónegos: sete pontos em três jornadas, em contraste absoluto com os 15 somados em 21 jogos por Paulo Sérgio.

Este bom trabalho do Pedro Jorge da Cunha na MFTotal dá-nos alguma luz sobre o que mudou para melhor: sabia que Rui Pedro marcou nos três jogos que a Académica venceu neste campeonato e se tornou no primeiro jogador a marcar dois golos depois de sair do banco?

O Petit milagre do Bessa
 

O futebol do Boavista está longe de poder ser apontado como exemplo neste campeonato. Falta uma ideia de jogo, faltará também qualidade individual. Mas os 25 pontos já somados pelo conjunto do Bessa, não garantindo ainda a permanência, são um excelente cartão de visita para quem parecia, no início da temporada, o elo mais fraco da cadeia de 18 equipas da Liga. 

Quem diria, nessa altura, que em fase tão adiantada da época, este Boavista viria a estar à frente de equipas como a Académica, o V. Setúbal ou o Gil Vicente?

Se aquilo que mais nos atrai no futebol são momentos de génio ou a qualidade de um coletivo, a capacidade de uma equipa superar as suas limitações e, com isso, atingir objetivos aparentemente inalcançáveis também deve ser destacada. E tem havido, esta época, um «Petit milagre» no Bessa, muito por mérito do seu treinador.

E até no plano individual tem havido surpresas, como Afonso Figueiredo, jovem formado no Sporting, um dos bons laterais-esquerdos deste campeonato.

Ganhar ao V. Guimarães por 3-1 é, admitamos, um belo resultado para uma equipa que era apontada por quase todos como... «candidata» à descida.  
 
O caso Rui Quinta
 

Nada melhor do que apontar o exemplo de quem está... em último, para mostrar que mesmo quem está no fundo tem coisas boas a descobrir.

O Penafiel, sobretudo desde que Rui Quinta assumiu o comando, é uma equipa que pratica bom futebol. E essa afirmação não é incompatível com o facto de só ter 16 pontos. Quem viu alguns jogos do «lanterna-vermelha» desta Liga por certo que concordará com essa opinião.

O desempenho em Alvalade, no jogo de fecho da jornada 24, foi mais uma prova: estar a perder 2-0 aos sete minutos e ainda ir ao 2-2 (com o aliciante do Sporing ter estado boa parte do duelo com menos um, é certo), dá conta dessa capacidade. 

O Penafiel não pontuou, mas encostou o leão às cordas em plena Alvalade e isso, em grande parte, foi mérito da visão de Rui Quinta, que lançou bem em jogo Bruninho, Vítor Bruno e João Martins. 

Benfica e FC Porto experimentaram sérias dificuldades de passar no «Municipal 25 de Abril». O triunfo em Setúbal foi outra prova de vida da equipa duriense. E o 3-4 com Marítimo, um dos jogos mais desconcertantes que vi esta época no futebol português, mostrou que faltará eficácia e experiência à formação de Penafiel.

Mas, lá está, mesmo o último tem futebol suficiente para marcar três num jogo que perde em casa, ou ir a Alvalade e sonhar com o empate (teve que soltar-se o talento de Nani para o leão festejar).

E isso é bom. Não podemos achar fantástico que haja muitos golos na Bundesliga e depois acharmos apenas «inconsequente» que uma equipa como o Penafiel faça golos mas perca jogos. 

Eu, pelo menos, acho melhor assim.
 
«Nem de propósito» é uma rubrica de opinião e análise da autoria do jornalista Germano Almeida. Sobre futebol (português e internacional) e às vezes sobre outros temas. Hoje em dia, tudo tem a ver com tudo, não é o que dizem?