«É preciso dar uma identidade ao grupo e depois o grupo transformar essa identidade em espectáculo e, sobretudo em golos. (...) Nunca fiz nem nunca farei contas a longo prazo e promessas que depois poderei não cumprir. Há que pensar jogo a jogo, mas também é óbvio que numa equipa grande temos de pensar em grande».
 
RUI VITÓRIA, no dia da apresentação como treinador do V. Guimarães, a 30 de agosto de 2011
 
 
Decidi dar o nome «Nem de propósito» a esta rubrica porque o mundo do futebol (com tantas figuras, casos e histórias) está cheio de coincidências curiosas.
 
E dificilmente encontraria exemplo melhor que este que protagoniza o texto de hoje.
 
Que nome seria mais apropriado poderia haver para o treinador que, em Guimarães, tem oferecido triunfos em épocas que teriam tudo para ser de insucesso?
 
Rui Carlos Pinho da VITÓRIA, lá está, tem feito um trabalho simplesmente notável, ao comando do Vitória (pois) de Guimarães.
 
Quase que a desafiar aquela expressão, tão referida em futebol de que «não é possível fazer-se omoletes sem ovos», o técnico do conjunto vimaranente está, pela quarta época seguida, a conseguir colocar, em cenário competitivo, ovinhos que supostamente precisavam de mais tempo de maturação.
 
Os treinadores costumam valorizar a questão das «equipas em construção».
 
Exemplos de sucessos coletivos (Barcelona de Guardiola, Espanha dos últimos seis anos, até o Benfica de Jorge Jesus) fundaram-se na continuidade dos percursos: as vitórias podem não aparecer logo ao primeiro ano, mas os frutos dessa continuidade surgem ao fim de um certo tempo.
 
O que impressiona na competência do trabalho de Rui Vitória é que ele tem sido imune às limitações financeiras e até às várias mudanças dos plantéis, ano após ano.
 
Sem continuidade nas escolhas, mas com uma ideia consistente e (essa sim) estável, Rui Vitória tem sido capaz de recomeçar, mantendo o nível.
 
As ideias que, há mais de três anos, Rui Vitória expressava no dia em que, sucedendo a Manuel Machado e vindo de excelente trabalho em Paços, era apresentado em Guimarães, mostram bem o que tem sido a sua liderança no clube vimaranense: um misto de realismo e ambição, sem promessas ocas mas nunca caindo no discurso do «coitadinho», que foi dominante durante tantos anos num certo estilo de treinador português.  
 
Sim, é verdade: em futebol as coisas mudam muito rapidamente e os treinadores, então, estão sujeitos a cair do céu ao inferno num abrir e fechar de olhos.
 
Mas o trabalho de Rui Vitória em Guimarães (tal como o que já tinha feito no Fátima, com menos exposição e pressão é certo, e como estava a começar a fazer em Paços, com presença em final da Taça da Liga) confere garantias que vão para lá de resultados pontuais.
 
Há um perfil traçado, princípios fundados, garantias que vão para lá da vitória ou derrota no próximo jogo.

Treinador de competência técnica reconhecida pelos seus pares, Rui Vitória tem provado em Guimarães que é possível fazer excelentes resultados, praticando um futebol atrativo, baseado em apostas em jogadores jovens, num risco calculado e preparado.
 
E, é claro, tem havido em Guimarães também algo que tem que passar a existir mais vezes, em mais clubes, no futebol português: uma relação de confiança e respeito mútuo entre presidente e treinador (Júlio Mendes e Rui Vitória, no caso), que confere ligação, durabilidade e, lá está, continuidade, a um trabalho.
 
Nem sempre é possível, claro, mas, como o povo diz, a «necessidade aguça o engenho»: os presidentes dos clubes têm cada vez menos margem para precipitações, contratações irresponsáveis e, sim, também têm menos margem para pagar rescisões a treinadores. A solução, por isso, passa cada vez mais por dar tempo a quem não pode oferecer milagres, mas pode oferecer um trabalho de qualidade.
 
Rui Vitória é um treinador competente, focado, que não se deixa inebriar pelos sucessos ( a forma serena como reagiu ao excelente triunfo 3-0 sobre o Sporting é disso mais um exemplo) e consegue, em pouco tempo, preparar novos desafios.
 
Só pode dar certo. Um dia destes, num grande, vão ver.
 
«Nem de propósito» é uma rubrica de opinião e análise da autoria do jornalista Germano Almeida. Sobre futebol (português e internacional) e às vezes sobre outros temas. Hoje em dia, tudo tem a ver com tudo, não é o que dizem?