Luis Aragonés era um duro.

Daqueles que exigem um ponto final depois da frase curta. Fez musculação até aos sessenta e qualquer coisa anos e não fugia a nenhum confronto.

Conta-se que uma vez, quando treinava o Valência, teve o enésimo conflito com Romário. Por aqueles dias eram frequentes.

Romário já tinha atingido o topo do mundo, já saíra do Barcelona e já conquistara o Flamengo, pelo que a motivação para o futebol estava na curva descendente. Era um malandro com tudo o que a expressão tem direito.

Luis Aragonés estava do lado contrário. Era um homem devotado à maior lealdade que um ser humano pode ter: a fidelidade a princípios nobres. Por isso, e enquanto gritava argumentos, exigiu o mesmo de Romário. Integridade.

«Não, não, não», disse-lhe. «Nos olhos. Olha-me nos olhinhos.»

Claro que esta ordem era mais difícil de ser cumprida com Edgar Davids, mas piadas de mau gosto à parte, o essencial é que Aragonés não era só um homem honrado e austero: era também um fervoroso adepto do Atlético de Madrid.

Esteve vinte e quatro anos no Vicente Calderón, primeiro como jogador e depois como treinador, jogou a única final da Taça dos Campeões do clube e conquistou quatro títulos nacionais com a camisola colchonera.

Conta-se que um dia, num jogo da seleção espanhola no Vicente Calderón, o quarto árbitro se dirigiu a ele a exigir que não saísse da área técnica.

Luis Aragonés fez como Raul Meireles: não foi de modas.

«Tudo bem, mas você não volte a pisar esse escudo», disse-lhe enquanto apontava para o símbolo pintado na relva. «Esse é o escudo do Atlético de Madrid.»

Ora por estes dias foi impossível não juntar as duas coisas, a honradez e a paixão de Luis Aragonés pelo Atlético, para perceber como o espanhol deve estar feliz.

Esteja lá ele onde estiver.

Um pouco como Luis, este Atlético de Madrid é duro, honrado e musculado.

Mérito de Diego Simeone, claro.

Um pouco como Luis, este Atlético de Madrid tem qualquer coisa de selvagem e servil: neste caso a uma ideia nobre.

É certamente o projeto mais entusiasmante do ano: e notem bem, não me estou a esquecer do duplo pivot de Paulo Fonseca, obviamente.

Este Atlético de Madrid, sem ser elegante, é belo. É uma equipa atlética, e vigorosa, e solidária, e ousada e confiante. Uma equipa com cabeça, mas sobretudo com muito coração: um coração que não bate, pula.

Um coração que não entrega nada de mão beijada, entrega-se a tudo de corpo e alma. Um coração do tamanho de uma ambição: desmedida.

É enfim uma equipa que insistiu em ir enganando engraçadamente a desgraça, até ser campeã de Espanha. No Camp Nou.

Sem a estrela da equipa e sem espinhas.

Até pode não ganhar a final da Liga dos Campeões, mas há uma coisa que podemos ter por garantida: vai olhar o Real Madrid nos olhos. Como fez com todos os adversários, grandes ou menos grandes, esta época.

Viste, Luis? Nos olhinhos...

«Box-to-box» é um espaço de opinião de Sérgio Pereira, jornalista do Maisfutebol, que escreve aqui às sexta-feiras de quinze em quinze dias