Como o tempo passa. Bernardo Silva a falar do seu Benfica no passado, agora como jogador do AS Mónaco em definitivo. Um empréstimo transformado em venda.
O futebol português gosta de criar filhos para os outros.
Não está em causa a decisão da transferência definitiva, com números que surpreendem nesta placa giratória, mas ficará a sensação de vazio para os adeptos e o jogador.
Bernardo cresceu como benfiquista e teve de sair para ser feliz em outro sítio qualquer. Por cá ficaram os adeptos, os que acarinharam a promessa e viram-na partir de forma precoce, como um jovem emigrante à procura de trabalho condigno após a formação no seu país.
Teria condições para se impor no Benfica? Não é essa a questão. Nem gira em torno de Bernardo Silva.
O que me inquieta é o curto prazo de validade de um nome no futebol português.
Um mês de ausência prova que não adianta fixar rostos e apelidos. No regresso, tudo está diferente.
A paternidade recente pode justificar a lógica deste artigo. Afastei-me da realidade desportiva por algumas semanas e voltei para encarar um quadro desconhecido.
No início de janeiro, Bernardo Silva ainda era jogador do Benfica, a promessa que tinha emigrado para crescer e voltar com barba rija.
Kelvin ainda tinha a esperança de algo mais que a palmada nas costas por um ato de fé que virou um campeonato. Saiu entretanto para o Palmeiras, confirmando que tem mais espaço no museu do que no plantel do FC Porto.
Voltará?
Não sei. Sei apenas que tem 21 anos e parece coisa do passado, a tal peça de museu a significar geralmente antiguidade, mérito sustentado e um longo período de êxitos.
Criam-se figuras instantâneas e elas partem antes de o serem na plenitude.
Os filhos que por cá ficam sofrem por outro lado de uma pressão constante perante o erro. Fazem-se homens no nosso futebol mas são tratados como um projeto eternamente inacabado.
Um exemplo? No início de janeiro, Rui Patrício era figura praticamente unânime. Cometeu entretanto um erro - como outros que vão marcando a sua carreira - mas não mais que isso. Continua a ser o melhor guarda-redes português, a par de Beto. São estilos diferentes - prefiro o dono da baliza do Sevilha - mas a eficácia é similar.
O Sporting, voltando a Patrício, provou ser um bom pai e saiu em defesa do seu filho. Demonstrou gratidão e reconhecimento, o que é um ótimo sinal e gera habitualmente um sentimento mútuo.
Se os clubes respeitarem os seus jogadores, estes respeitarão os seus clubes. Sejam eles jogadores portugueses ou estrangeiros, filhos de sangue ou 'apenas' de coração.
O sentimento pode crescer se houver tempo para tal. Vejam-se Luisão, Luisão ou até Marcelo Boeck, o fiel suplente.
Deixem os adeptos fixar nomes, acarinhar rostos e personalidades. Recuperem-se os afetos. A identidade. A mística.
Fomente-se a empatia e o respeito entre as partes. Daí virão seguramente excelentes resultados.
Bons pais com bons filhos. Acredito que não existem uns sem os outros.
Entre Linhas é um espaço de opinião com origem em declarações de treinadores, jogadores e restantes agentes desportivos. Autoria de Vítor Hugo Alvarenga, jornalista do Maisfutebol (valvarenga@mediacapital.pt)
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