«Ao intervalo do particular com os Camarões, o fisioterapeuta foi examinar o Rafa porque sentiu que algo não estava bem. Verificou-se que tinha uma rutura de grau dois. Quando falei com ele, disse-me que tinha sido logo aos sete minutos, mas ele não soltou nem um ai porque queria jogar. Isso demonstra o seu caráter a vontade de jogar pela seleção.»

Henrique Jones, responsável clínico da seleção nacional, revelou esta e outras histórias a 21 de março, durante uma palestra no ISMAI. João Aroso, preparado-físico da equipa técnica de Paulo Bento, também esteve à conversa na Maia.

Eis o que me parece um equívoco: o aparente elogio a um jogador que colocou em risco a sua aptidão física para agarrar um sonho. Porque, no fundo, Rafa assinou uma exibição medíocre nesse particular e ficou um mês de baixa, voltando à competição no Sp. Braga com limitações.

Felizmente, e talvez por essa noção estranha de caráter, o promissor Rafa Silva entrou na lista de 23 de Paulo Bento para o Campeonato do Mundo de 2014. Foi aliás a grande surpresa na convocatória final, após um único jogo pela seleção (precisamente, aquela primeira parte frente aos Camarões).

Nesta altura, em que se discute a condição física dos representantes de Portugal no Mundial, este é o exemplo de um conceito errado que andará à volta do grupo.

Jogar com limitações não é a melhor demonstração de caráter. A atitude mais digna é assumir a condição e abrir espaço para a utilização de outro elemento.

Rafa tem atenuantes: é jovem e sentiu que aquela era uma oportunidade única, após largos meses a bom nível no Sp. Braga. O jogo de estreia foi o último antes da divulgação da lista de 23. Ou seja, achou que o seu futuro dependia de um momento.

Podemos discutir o triste cenário que levou a este pensamento, mas o que importa salientar desta vez é o erro do talentoso jogador.

Nem de propósito: aconteceu-me o mesmo com 17 anos, quando surgiu a oportunidade para a estreia como titular no Sport Rio Tinto – o ponto mais alto da modesta carreira, sem esquecer o Fanzerense -. O atraso na chegada à sessão de conjunto, durante a semana, teve um efeito perverso na mente do treinador, que decidiu lançar-me no onze, não como lateral mas como médio direito.

Este abnegado mas pouco talentoso jogador acordou com febre alta mas, perante a oportunidade, decidiu agarrá-la. E assim surgiram os 29 minutos (podem ter sido menos, mas pareceu-me uma eternidade) mais penosos da carreira, faltas irrefletidas, incapacidade para arrancar, perdas de bola em catadupa. Naturalmente substituído.

Por achar que tinha errado ao nada dizer, mantive-me em silêncio e paguei a fatura: largos meses sem entrar em campo. Se fosse hoje, teria caráter definido para nem entrar em campo, porque ao fazê-lo coloquei o meu futuro em risco, obriguei o treinador a queimar uma substituição e, acima de tudo, roubei a titularidade a outro jogador que estava certamente em melhores condições que eu. Se tal não bastasse, senti que tinha desiludido os adeptos.

E aqui chegados, eis o lamento: sei perfeitamente que os melhores elementos da seleção já fizeram sacrifícios pela equipa, um ou dois de cada vez. Sim, Cristiano Ronaldo foi um deles, embora os seus oitenta por certo fossem diluídos entre os cem dos restantes.

Há uma grande diferença entre um jogador limitado no meio de onze e um onze em que a maioria aparenta limitações.

Numa altura em que os focos de contestação incidem sobre a equipa técnica liderada por Paulo Bento, a equipa médica e até os dirigentes da Federação, considero que os jogadores não devem ser ilibados.

«As lesões? As perguntas têm de ser feitas aos médicos e fisioterapeutas. Sou jogador de futebol, não estudei muito dessa área.»

João Pereira respondeu como achou que devia responder. Ele que até parece o elemento com maior capacidade física, dentro de um preocupante contexto, na equipa nacional. Mas não, João, acho que não é bem assim. O jogador sabe perfeitamente quando está em pleno ou quando pode quebrar.

Se os jogadores querem ser respeitados como merecem, devem assumir posições e defender da melhor forma os superiores interesses da seleção nacional (caso contrário, são cúmplices da situação). E isso, antes de mais, passaria por uma demonstração de caráter no grupo e alguém com dignidade extrema para assumir: há um companheiro em melhores condições que eu. 

Foi o que fiz nos últimos meses – já sem a visão distorcida dos meus 17 anos –, quando perante uma aparente oportunidade de valorização profissional, abdiquei em favor de outro por não me sentir a cem por cento. Radamel Falcao, por exemplo, também ficou bem na fotografia. 

A conclusão é esta: por ação ou omissão, devem considerar-se todos culpados. Nem o improvável milagre desta quinta-feira disfarçará a triste campanha.

Porque uma coisa é certa e merece profunda reflexão: o sucesso de um projeto não se deve medir pelos resultados. É um dos maiores equívocos do futebol português. Há formas mais e menos dignas de se ganhar e se perder.

PS: Paulo Bento, tendo como base o trabalho desenvolvido (para lá dos bons resultados no Euro2012 ou o fraco desempenho no Mundial), não demonstrou ser a pessoa ideal para liderar o necessário processo de renovação na seleção nacional.