«Sempre disse ao Daniel que tudo o que vier para atingir, inclusive as críticas, a gente não reage. Se reagir, atinge. Se não reagir, acaba.»

A mãe de Daniel Alves aplaude o gesto do jogador do Barcelona.

Não poderia ser de outra forma. Ninguém é obrigado a comer e calar e, neste caso, comer foi a melhor solução.

O mundo inteiro juntou-se à causa e por estes dias não se ouve falar de outra coisa. Está na moda tirar uma fotografia a comer uma banana.

Sim senhor, tudo perfeito. Nem interessa que o gesto espontâneo tenha despertado uma campanha de marketing que tinha sido combinada com Neymar. Reduzir a questão a esse pormenor seria passar por cima do que é verdadeiramente importante: o comportamento de cada um.

Isto não se resolve com a epidemia de fotos com bananas ou banindo para sempre o adepto em questão. Ajuda, é certo, mas trata-se apenas de outro pormenor.

Chega a altura de discutir o essencial: como é que eu abordo o tema no dia a dia.

Antes de mais, o termo. Negro ou preto? Se o branco respeita os mandamentos politicamente corretos, atira para o negro, aparece a comer uma banana e ainda é homem para soltar uma expressão forte como esta: «Eu não sou racista, até tenho um amigo que é negro».

Ah, valente!

Sejamos honestos e nessa altura conseguiremos evoluir para uma sociedade sem preconceitos. Eu costumo optar pelo ‘preto’.

Para mim são ‘pretos’ e não é por aí que os ofendo, acho mais grave usar um ‘negro’ forçado e assobiar para o lado, fingindo que não é nada connosco. Tudo gira em torno da forma como se utiliza o termo.

Daniel Alves tem maturidade, capacidade de encaixe e respondeu da melhor forma. Mas nem sempre é problema dos outros.

Há um par de meses, vi um miúdo de dez anos em lágrimas num campo de futebol. O miúdo é ‘preto’, lá está, e joga como um craque. Um adversário da mesma idade começou a atacar verbalmente, procurando dessa forma disfarçar a sua capacidade para o travar em campo.

Aconteceu por cá, bem perto. Revoltei-me profundamente e lamento que o jogo não tenha sido interrompido nessa altura. O árbitro foi falar com miúdo, o ‘preto’, mas este fechou-se, sem expor a verdade. Nem seria preciso, já que todos percebemos o que se estava a passar.

Não podemos continuar a achar que devemos lutar pela erradicação do mal no planeta sem fazermos o que está ao nosso alcance por aqui, educando os nossos filhos, ignorando o politicamente correto e abordando o tema com naturalidade.

Esta geração que cresce aos nossos olhos continua a ser cruel. Não só com o ‘preto’, mas com o ‘gordo’, o ‘caixa de óculos’ e outra qualquer caraterística que sirva de arma de arremesso. Os miúdos podem aprender a dizer ‘negro’, ‘forte’ e ‘visualmente diminuído’ mas o problema fica resolvido? Longe disso. Devem ser incentivados a usar nomes: José, Bruno ou Tiago.

Para mim - um ‘caixa-de-óculos’ por natureza e um resistente ‘careca’ – o caminho passa pela banalização. A banalização com responsabilidade. Antes de mais, admitir o que possa ser um erro: chamo-os de ‘pretos’. Mas encaro a questão sem peso na consciência, já que nunca tive uma atitude racista ou discriminatória.

No fundo, somos todos macacos e andamos à volta da mesma árvore. O essencial passa por sermos ou não boas pessoas. Se a sinceridade em torno da expressão ‘preto’ causou agitação, peço desculpa: atirem-me uma banana.

Entre Linhas é um espaço de opinião com origem em declarações de treinadores, jogadores e restantes agentes desportivos. Autoria de Vítor Hugo Alvarenga, jornalista do Maisfutebol (valvarenga@mediacapital.pt).