Até à viragem do século, o Parma era um dos clubes mais incómodos para os «tubarões» da Serie A. Suportado pelo império da Parmalat, uma das maiores multinacionais da indústria dos lacticínios, nunca chegou a vencer o Scudetto mas, entre 1992 e 2002, levou para o museu oito títulos oficiais, entre os quais três taças de Itália, duas taças UEFA e uma Supertaça Europeia.

O Parma respirava saúde. Por lá passaram jogadores que se tornaram mundialmente conhecidos: de Gianfranco Zola, passando por Fabio Cannavaro, Faustino Asprilla, Hernán Crespo, até Gianluigi Buffon. E Sérgio Conceição e Fernando Couto, que representou o clube em dois períodos diferentes e levantou a Taça UEFA em 1995.

Jogadores através do quais o clube faturou milhões. As transferências de Lilian Thuram (€41,5 milhões) e de Gianluigi Buffon (€53 milhões), ambas para a Juventus em 2001, estabeleceram recordes que ainda hoje estão por bater: nunca mais um defesa direito e um guarda-redes foram transacionados por valores tão elevados.

Mas deste Parma vigoroso já só resta o nome. Depois de em 2004 ter sido declarado insolvente na sequência do desmoronamento do império Parmalat, o clube prepara nova descida ao inferno. Esta, porém, adivinha-se mais penosa.

Este fim de semana, a partida com a Udinese para a 24.ª jornada da Serie A foi adiada. Motivo: falta de dinheiro para garantir a segurança do Estádio Ennio Tardini, casa do Parma. Foi a gota de água numa situação que já arrastava há dois anos.

A viver por dentro a situação deste histórico clube italiano estão dois portugueses: Pedro Mendes e Silvestre Varela, que rumou a Parma, por empréstimo do FC Porto, na janela de transferência do mercado de inverno.
«Cheguei aqui em 2013 e nessa altura não se ouvia nada que estivesse relacionado com problemas financeiros. Depois, saí em janeiro [n.d.r.: de 2014, por empréstimo para o Sassuolo] com tudo em dia», recorda o defesa central, em conversa com a MFTOTAL.

Pedro Mendes regressou a Parma no verão passado, onde encontrou um clube diferente. A aparente estabilidade financeira deu lugar ao caos. Primeiro, «zunzuns»; depois, entre promessas e pedidos para renegociar contratos e baixar salários, o clube entrou em incumprimento.
«Quando cheguei, a direção tranquilizou a equipa, dizendo que a 15 de novembro seriam liquidados três meses. Nesse dia foi-nos garantido que o dinheiro chegaria. Mas só chegou o mês de julho», conta o jogador, que passou pela formação do Sporting e pelo Real Madrid.

O abismo

No início deste mês, o Parma foi vendido pelo montante simbólico de 1 euro. Sim, leu bem: um euro, o mesmo valor pago dois meses (!) antes por Rezart Taçi, um empresário albanês que abandonou o barco em pleno naufrágio. «Vai ser uma corrida contra o tempo», admitiu o novo dono do clube, Giampietro Manenti, em conferência de imprensa.

Herdeira de um clube histórico... e de uma dívida a rondar os 100 milhões de euros, a nova direção tomou posse a 9 de fevereiro, segunda-feira, com a promessa de repor os salários em atraso. Sexta-feira, novo adiamento. «Disse que dia 16 estaria tudo liquidado e nada. Depois, prometeu novamente que esta semana estaria tudo normalizado. Ainda não vimos um euro. Dizem que há problemas com os bancos, que o dinheiro vem de fora, mas para nós essas explicações pouco importam.»

Este domingo, os adeptos do Parma manifestaram-se à porta do Ennio Tardini em protesto contra quem entendem ser os principais responsáveis pela situação calamitosa a que chegou o clube e que dizem ser a consequência de um «assalto à mão armada». «Sentem-se traídos», justifica o jogador.
Sem receber desde julho, Pedro Mendes explica que subsiste graças a uma «almofada de alguns meses». Mas alerta que há jogadores em pior situação do que ele. «Há jogadores que têm famílias, filhos, que são jovens e que no ano passado estavam na Serie D (4.ª divisão). Ganhavam pouco e achavam que, com o dinheiro do Parma, podiam ter um certo conforto financeiro. A paciência tem limites.»

Antonio Cassano, 39 vezes internacional pela Itália, é um desses casos: rescindiu em janeiro após seis meses de salários em atraso. Poucos dias depois, foi a vez do brasileiro Felipe Belo bater com a porta.

Também Pedro Mendes teve a oportunidade de se transferir para outro clube da Serie A nos último dia do mercado de inverno. «Estava na sede para assinar por empréstimo, mas a minha saída foi bloqueada. Se eu saísse, precisavam de outro central. Nem sei tinham o direito de me barrar a saída, tendo em conta os meses que tenho em atraso», diz à MFTOTAL.

Por causa do incumprimento salarial, o conjunto «crociati» viu ser-lhe retirado um ponto em dezembro. Em breve, deverão ser mais: diz-se que entre quatro e seis pontos. Muitos para qualquer clube. Mais ainda para quem está na última posição do campeonato, com apenas dez pontos. «Se há falta de motivação? É óbvio que a falta de dinheiro desmotiva, mas já mostrámos que temos usado isso para nos fortalecermos. Demonstrámos a nossa motivação quando empatámos no último jogo, no Olímpico de Roma», sublinha.



Este fim de semana, o Parma tem novo encontro, frente ao Génova, para a 25.ª ronda da Serie A. Alessandro Lucarelli, capitão da equipa, garantiu que a equipa vai a jogo. Nem que para isso os jogadores tenham de pagar do próprio bolso: «Se o clube não pagar autocarro, vamos viajar em cinco ou seis carros. Estamos disponíveis para pagar o combustível da viagem», afirmou o defesa de 37 anos.

Se pouco ou nada mudar nas próximas semanas, a procuradoria-geral de Parma pronuncia-se a 19 de março sobre o futuro do centenário clube transalpino. Se for declarada falência, e se não houver auxílio por parte da liga e federação italiana, os contratos dos jogadores cadudam e o clube é despromovido até à Serie D, à semelhança do que aconteceu com a Fiorentina em 2002, quando teve de recomeçar do zero e com a designação de Florentia Viola.

«Estamos à espera de um milagre», conclui Pedro Mendes.