A Liga de Singapura termina no próximo fim de semana e na «pole position» para conquistar o título está uma equipa....do Brunei. Estranho? Talvez. Mas a MF Total falou com alguém que pode explicar isto bem: Paulo Sérgio é jogador do DPMM FC, a tal equipa que está perto de sagrar-se campeã da Liga de S.League, que disputa desde 2009. Um título pode ser também o primeiro do jogador português.
 
«Estive na final da Liga Europa com o Sporting e uma final da Taça do Chipre com o AEL Limassol, mas perdemos. Este pode ser o primeiro troféu como profissional», diz o extremo de 31 anos, formado no Sporting.
 
Paulo Sérgio está desde março em Bandar Seri Begawan, a capital do Brunei. Esteve quase um ano desempregado, após a passagem pelo Olhanense, até que surgiu o desafio lançado pelo técnico escocês Steve Kean, que foi jogador da Académica.
 
«Ele já me queria contratar há algum tempo, mas antes não foi possível. Agora surgiu novamente a oportunidade, através do Dr. Marco Oliveira, que também foi um dos responsáveis por vir para o DPMM», explica o jogador luso, que também representou a Briosa, assim como Belenenses, Estrela da Amadora, Desp. Aves, Salamanca, Vitória de Guimarães e Arouca.
 
Embora conte com o apoio da mulher e das filhas no Brunei, Paulo Sérgio assume que o primeiro impacto foi difícil. «Para ser sincero foi um bocado estranho estar do outro lado do mundo, e mal cheguei levei logo com um calor abrasador. Não estava à espera que fosse tão quente. Aqui a temperatura está sempre alta e a humidade é muito elevada. Não consegues andar de calças. É o ano inteiro de calções (risos). Já as mulheres andam vestidas da cabeça aos pés com um calor de derreter.»
 
«Comida? Dispenso»
 
O jogador admite que a adaptação da família não foi fácil, mas a mudança foi encarada com espírito positivo. «Nunca fui aqui a um cinema, e encontrar um bom shopping também não é fácil. Mas se tens pensamento negativo torna-se tudo péssimo. Se encaras tudo de forma positiva levas melhor a vida», defende o jogador, embora assumindo que praticamente só sai de casa para ir para os treinos. «Não há muito para fazer. Vamos com as crianças ao parque ou à piscina, e pouco mais».
 
No contexto futebolístico a mudança não foi tão radical, mas Paulo Sérgio reconhece que o grau de profissionalismo não é o mesmo. «Nos estágios, por exemplo, só comemos uma vez no hotel. De resto eles dão dinheiro e cada jogador vira-se sozinho», explica.
 
«A alimentação é má. Sinceramente nem consigo experimentar, pois é tudo com picante e tem mau aspeto. Com todo o respeito, mas dispenso. Mas tenho uma esposa fabulosa, e tenho uma alimentação à portuguesa, embora já tenha saudades de um bacalhauzinho, de um polvinho ou um cozido. Até mesmo de um pastel de natal. Coisas que não conseguimos aqui», lamenta.


 
As saudades de Portugal matam-se também com a ajuda de Rafael Ramazotti, avançado brasileiro que representou o Gil Vicente. «Foi uma grande ajuda na adaptação, mas ao fim de alguns dias já estás ambientado. O meu inglês já dá para muita coisa», brinca Paulo Sérgio.
 
Brunei à espera de um dia histórico
 
Se Ramazotti é o melhor marcador da equipa, com 25 golos, Paulo Sérgio não fica muito atrás. Tem 12 tentos, aos quais se somam ainda 17 assistências. «Graças a Deus as coisas estão a correr bem e as pessoas estão contentes com o meu trabalho.»
 
Falta agora cereja no topo do bolo: o título de campeão, para conquistar neste sábado. Líder, com 49 pontos, o DPMM FC recebe o Balestier Khalsa, terceiro classificado. À mesma hora o Tampines Rovers, segundo classificado com 47 pontos, recebe o Harimau Muda, sétimo classificado. Em caso de igualdade pontual prevalece a diferença de golos, e nesta altura a equipa de Paulo Sérgio tem um golo de vantagem.
 
«O título é mais do que merecido. Já podíamos ter sido campeões, mas somos uma equipa estrangeira...Vamos lutar até às últimas forças, pois merecemos o título. Temos uma excelente equipa, um excelente grupo», diz o jogador luso.
 
O Brunei é a 186ª seleção no ranking da FIFA, com apenas 16 vitórias em 71 jogos oficiais, pelo que a possível conquista do DPMM FC é aguardada com enorme ansiedade. «É o jogo mais importante da história do país», diz Paulo Sérgio, que depois terá ainda as meias-finais da Taça de Singapura.
 
O jogador português até já ouviu dizer que a conquista do título dará estatuto de cidadão honorário do Brunei a todos os elementos do plantel, embora isso não tenha sido transmitido oficialmente.
 
É que DPMM FC é a sigla para Duli Pengiran Muda Mahkota Football Club, que é como quem diz Clube de Futebol de Sua Alteza Real o Príncipe Herdeiro. O dono é Al-Muhtadee Billah, filho do Sultão do Brunei e primeiro na linha de sucessão.
 
Patrão especial, mas distante
 
Fundado em 2000, o clube começou por jogar na Liga do Brunei, cinco anos depois juntou-se à Liga da Malásia e em 2009 mudou-se para a Liga de Singapura.
 
«Por incrível que pareça o Príncipe ainda não disse nada relativamente ao jogo de sábado. Aqui não se vive o futebol tão intensamente», diz Paulo Sérgio.
 
A verdade é que Al-Muhtadee Billah assiste a quase todos os treinos do seu clube, mas nunca se mistura com o plantel. «Chega dez ou quinto minutos após o início do treino e vai embora dez ou quinze minutos antes do final. Damos por ele por causa das sirenes da polícia, que o acompanha. Também está sempre nos jogos mas nunca vai ao balneário», explica o jogador luso.
 
O plantel já foi recebido no palácio do Sultão Hassanal Bolkiah, mas Paulo Sérgio fala uma «receção muito fria». «Foi só passar por eles e apertar a mão», descreve o jogador, antes de recordar um episódio caricato dos primeiros dias em Bandar Seri Begawan.


 
«Estava na estrada, tranquilo, e começo a ouvir sirenes. Os carros à minha frente encostam todos mas eu, na boa, passo por eles. De repente aproxima-se uma mota da polícia e o agente, visivelmente irritado, ordena-me que encoste. Depois percebi que era o carro do Príncipe que ia a passar. Apanhei um cagaço», relata.
 
«Em campo também já tive um episódio engraçado. Eles têm um sistema de segurança por causa do mau tempo, um aviso para as trovoadas e relâmpagos. Logo no meu primeiro jogo, quando ia para o aquecimento, acendeu-se uma grande luz vermelha no campo. É o sinal de alerta, e quando está aceso tens de ficar abrigado. Eu não sabia, e por isso já estava a entrar em campo quando começaram a gritar comigo para voltar para trás», descreve.
 
Embora ainda tenha dois títulos no horizonte, Paulo Sérgio faz já um balanço positivo da experiência no Brunei, mas o futuro está totalmente em aberto, na medida em que o vínculo ao DPMM FC termina já no próximo mês de dezembro. «Não sei o que irá acontecer, mas se ficar será com todo o gosto», diz o jogador.