Decalcar sensações, reviver lutas eternas, agudizar a arrelia de não usufruir o prazer de uma boa vizinhança. Jogar um derby é tudo isto. Talvez mais, certamente mais. Para uma definição mais completa, só mesmo quem esteve lá dentro. O V. Guimarães regressa a Braga e, com a inestimável ajuda de Pedro Barbosa e N'Dinga, o Maisfutebol vistoriou a memória dos homens do D. Afonso Henriques.

Dois dos mais brilhantes jogadores da história vitoriana, testemunhas de verdadeiros atos de fé em duelos fratricidas no Minho. O génio de Pedro Barbosa teve o privilégio de decidir o derby a 24 de Outubro de 1992. O Sp. Braga caiu na Cidade-Berço com o golo do antigo internacional português.

«Este é um jogo que tem sempre uma rivalidade latente, a emoção de um jogo vivido com muita paixão. A proximidade geográfica dá esse cariz ao jogo, e sente-se o pulsar», diz Pedro Barbosa, 41 anos, ao nosso jornal.

Mais difícil é o contato com N'Dinga. O ziguezagueante médio zairense está radicado em Toronto (Canadá). Ainda fala português, trabalha num transitário e ajuda numa escola de futebol. Abandonou Guimarães em 1996, mas não esquece o clube onde foi «mais feliz».

«O Vitória será sempre a minha família. Há um dado curioso. A minha estreia e o meu último jogo pelo clube foram ambos contra o Sp. Braga [23 de Agosto de 1986 e 12 de Maio de 1996]. Eu gostava de ter a bola nos pés e já sabia que nesses derbies levava sempre mais porrada do que nos outros jogos. Era mesmo assim.»

«Fiquei tão marcado que fui bater ao balneário deles»

Pedro Barbosa vestiu de branco entre 1991 e 1995. Partiu então para o Sporting e completou dez temporadas seguintes em Alvalade. Em Lisboa saboreou um diferente tipo de derby. «A diferença está na dimensão e na própria mediatização. Um Benfica-Sporting tem dimensão nacional», refere o comentador Maisfutebol, capaz de identificar discrepâncias óbvias entre a realidade da década de 90 e a atual.

«A diferença está no estatuto dos clubes. Na década de 90 havia domínio do Vitória, não só nos jogos com o Braga, mas também em termos classificativos. Agora não é assim. O Braga tem sido superior. O Braga está muito bem, mas há um ascendente do Vitória. Estes jogos têm sempre uma boa envolvência, uma boa assistência. A rivalidade é notória.»

O tempo não elimina da memória de N'Dinga os resíduos dessa rivalidade. «Fiquei tão marcado num jogo em Guimarães que fui bater à porta do balneário deles. Tiveram de me agarrar. Na altura eramos mais fortes. Tenho a impressão que ganhei mais vezes do que perdi contra o Sp. Braga.»

«O presidente do Braga valorizou as assistências do Vitória»

A emoção tolda as palavras de N'Dinga. Pedro Barbosa faz uma análise mais racional. O ex-diretor desportivo do Sporting prevê uma enchente em Braga.

«O Vitória é, parece-me, a equipa que mais adeptos leva fora, pois os grandes contam com a força dos adeptos dos locais que visitam. Aos jogos fora do Vitória vão mesmo pessoas de Guimarães.»

«A paixão em Guimarães é diferente», sublinha Pedro Barbosa. «O número de espetadores também. No meu tempo era assim, mas agora o Braga tem feito um esforço. O seu presidente chegou a valorizar as assistências que o Vitória tinha, mesmo em situação pior do que a do Braga.»

Separado de Guimarães pelo Atlântico, N'Dinga vai acompanhando os resultados. «Quero ver o Vitória a ganhar e a subir na classificação», exige o médio, que em 1986 fugiu do Zaire e rumou ao norte de Portugal com mais três compatriotas: N'Kama, Basaúla e Kipulu.