Por Pedro Catita

Podia começar da forma clássica. Era uma vez... mas não, não é ficção. Debrecen, Fonix Arena, 26 de janeiro de 2010. Quartos de final do Europeu 2010, já escuro na Hungria. Desempate nas grandes penalidades entre Rússia e Espanha, depois de um anormal empate sem golos após 50 minutos. Luis Amado tinha defendido o pontapé de Cirilo, o terceiro. Um salto para o nono pontapé (ainda eram duas séries de cinco), quinto para a Espanha. Bola imóvel nos seis metros. Conversão com êxito dá apuramento. Capitão Javi Rodriguez – mítico camisola 7, herói dos livres sem barreira na Guatemala em 2000 na final frente ao Brasil – parte decidido para a bola, dispara muito forte de baixo para cima, para o meio, bola bate na barra interior da baliza, entra e sai de rompante, um metro dentro, sem hipótese de defesa, golo, festa em campo.

Mas... aparece Alfred Hitchcock a dizer corta. A dupla de arbitragem, formada pelo francês Pascal Fritz e pelo croata Edi Sunjic, anula inexplicavelmente o golo, indicando que a bola bateu na barra principal, ou seja, que não entrou na baliza. Entrou e bem, claro. Espanto, indignação e contestação no pavilhão. Pedro Dias, delegado da UEFA ao jogo, desce ao recinto. Alguns minutos de conferências junto à mesa. A dupla não tem dúvidas, está convicta, decisão soberana é para manter. Não assinala golo. Muitos e mais protestos, mas siga a lotaria. Sim, neste caso poderia ter sido uma lotaria.

Felizmente – para a verdade desportiva –, o russo Timoshchenkov falhou o oitavo pontapé da equipa (16.º no total) e deu a vitória à seleção espanhola. Sobreviventes Juanjo, Ortiz e Lin sofreram no recinto, já comandados por Venâncio Lopez.

Foi este Espanha-Rússia que ficou na minha história. Foi este que ficou na história de muitos. Foi este que poderia ter ficado na história do Futsal pelas piores razões. Que não se repita.

Favorito para a final? Rússia nunca ganhou à Espanha... em 40 minutos

Amigos e amigas, alguém tem noção deste dado? Na história dos confrontos, a Rússia nunca ganhou à Espanha em 40 minutos! Sim, parece mentira mas é verdade.

O  grande jogo deste sábado na Arena entre a Rússia e a Espanha, repete a final de 1996, 1999, 2005 e 2012 e coloca frente a frente as duas formações dominadoras dos Europeus. Das quatro anteriores finais, a Rússia apenas venceu uma, mais concretamente em 1999 (nos penáltis), mas triunfou por 4-3 (após prolongamento) no mais recente jogo entre ambas nas meias-finais da edição 2014,em Antuérpia. Esse foi mesmo o primeiro sucesso russo frente à Espanha, mesmo que em prolongamento, sem o recurso ao desempate por grandes penalidades. A Rússia viria a ser derrotada pela Itália na final, por sinal o seu quarto desaire em cinco presenças na final. Já a Espanha venceu seis em sete, com a derrota de 2014 a colocar um ponto final num reinado de quatro campeonatos (2005, 2007, 2010 e 2012).

Os pupilos de Venâncio López têm quase tudo a seu favor, individual e coletivamente. São iguais ou superiores ao adversário em quase tudo – já detalhámos alguns aspetos em diário anterior, na antevisão do duelo ibérico –, ainda que com vantagem ténue.

Eder Lima seria o ponto mais forte da Rússia, mas está castigado, pelo que na minha opinião esta seleção só tem a mais-valia do poderio físico. Mas se nomedamente Robinho aparecer pela primeira vez num nível próximo da perfeição – autor do golo no prolongamento que decidiu a meia-final em 2014 –, se Abramov impressionar ainda mais, se Rómulo, Shayakhmetov e Gustavo estiverem consistentes, se o pivot Lyskov surpreender, e os duelos forem favoráveis para a formação do leste, podem alimentar a esperança.

Uma final é uma final, e alguns dos fatores lógicos, mas outros até casuísticos (expulsões, autogolos, lances infantis, grandes penalidades, taxas anormalmente altas e baixas de eficácia na finalização/baliza) podem influenciar especialmente. Mas é indiscutível o favoritismo teórico de nuestros hermanos. A atual melhor Espanha é superior à atual melhor Rússia. Chega a este jogo com 26 vitórias consecutivas, no consolado do atual seleccionador soma 146 partidas com 132 triunfos (90%), 12 empates e apenas duas derrotas, tendo no total do histórico 331 vitórias (82%) em 403 jogos. Nunca ficou fora das medalhas (6 ouro, 1 prata e 2 bronze – a Rússia tem 1 ouro, 4 prata e 2 bronze). Se ganhar, será campeã pela primeira vez sem brasileiros naturalizados, curioso. Prognósticos mesmo? Só no fim do jogo, alguém diria...

Finais:

2014: Itália 3-1 Rússia; Antuérpia, Bélgica

2012: Espanha 3-1 Rússia (ap); Zagreb, Croácia

2010: Espanha 4-2 Portugal; Debrecen, Hungria

2007: Espanha 3-1 Itália; Porto, Portugal

2005: Espanha 2-1 Rússia; Ostrava, República Checa

2003: Itália 1-0 Ucrânia; Caserta, Itália

2001: Espanha 2-1 Ucrânia (golo de ouro); Moscovo, Rússia

1999: Rússia 3-3 Espanha (ap, 4-3 pen); Granada, Espanha

1996*: Espanha 5-3 Rússia; Cordoba, Espanha

*Torneio Europeu de Futsal, o estatuto de campeonato surgiu a partir de 1999

Ricardinho Bola de Ouro? Berbicacho corajoso para a UEFA...

Individualmente, Ricardinho pode ficar ainda mais na história deste Europeu. Para além dos dois golaços, pode tornar-se o primeiro Bola de Ouro eliminado nos quartos de final de uma grande competição. É um dos desafios da UEFA para este sábado. Ter ou não a coragem de coroar o nosso mágico como melhor jogador da prova.

Concordo que se deva promover a ligação deste troféu aos feitos coletivos da sua seleção. Mas até agora, leia-se após as meias-finais, Ricardinho foi de longe o expoente máximo individual, a distância considerável do segundo. A Bola de Ouro visa premiar o melhor jogador que passou pela Arena de Belgrado. E há dúvida que Ricardinho tenha sido claramente o melhor e mais completo futsalista da prova? Não há a mínima dúvida.

Na minha opinião, apenas no cenário de algum jogador se destacar na final como autor de uma exibição perfeita e decisiva para a conquista do título - como são o casos de Miguelín, Rivillos, Alex e  Abramov – é que poderá eventualmente ser justo ponderar uma escolha diferente. Kocic também poderia entrar nestas contas, mas não estará na final.

É um berbicacho para UEFA. É um cenário novo. A UEFA viu o que todos vimos. Vai ter que ter (a) coragem de eleger um jogador único – unânime para todos os agentes da modalidade –, e que em três jogos foi o que o mais brilhou. Foi e é a estrela do Europeu. Pintada a ouro.

Parabéns Eduardo Coelho!

O árbitro português Eduardo Coelho é um dos vencedores deste europeu. Foi nomeado como terceiro árbitro da final, quinta nomeação na prova, depois do Rússia-Cazaquistão (primeiro árbitro), Hungria-Ucrânia (segundo), Ucrânia-Espanha (cronometrista), Espanha-Cazaquistão (segundo).

Esteve no lote dos oito, entre os 18, filtrados para os dois dias finais. Percebeu-se que a UEFA confia nele. Deu show de bola, indiscutivelmente. Direi que será escandaloso se não estiver na próxima Final Four da UEFA Cup, Abril em Guadalajara (Madrid). O critério geográfico não pode ser aplicado, antevejo, caso contrário não poderão também ser igualmente nomeados italianos, russos e espanhóis, e sendo assim quem iria arbitrar? Eu?...

‘Hvala’

Pedro Catita. Algarvio de Portimão, é licenciado em Ed. Física e Desporto – Opção Futebol pela FMH. Comentador de Futsal na RTP desde 2003, especialista em Análise de Jogo, é membro da Comissão de Futsal da FPF. Preletor nos Cursos de Treinador de Futebol e Futsal da FPF. Trabalhou na Infordesporto/Sportinveste Multimédia entre 1994 e 2015. Treinador de Futsal no Sassoeiros e de futebol no Belenenses, Estoril Escola Rui Águas. É “Amigo do Futsal”, e um dos responsáveis pelos conteúdos da Futsal+ desde Janeiro de 2016.