Quando o Marítimo foi ao Brasil, no verão de 2001, queria um central que jogasse pela esquerda e um ponta de lança. O primeiro foi contratado rapidamente: era Ezequias, que mais tarde passou também pelo FC Porto. O ponta de lança foi mais difícil de encontrar.

A verdade, porém, é que enquanto andavam à procura desse jogador, o presidente Carlos Pereira e o treinador Nelo Vingada viram Pepe, na altura um miúdo de 18 anos, que os entusiasmou. Por isso, mais tarde contrataram o tal avançado, sim, e também Pepe.

Ora o avançado em causa chama-se Edi Marçal e toda a gente o conhece por Andradina.

«Na realidade, eu nunca joguei no Corinthians Alagoano. Eu tinha acabado contrato com o Arsenal de Tula, da Rússia, e o empresário João Feijó, que era o mesmo que representava o Pepe, apresentou-me ao Marítimo. Eles gostaram, estivemos a negociar e fechámos acordo. Não tinha assinado nada, mas já tinha fechado o salário e estava tudo certo.»

Ora por isso, no dia 23 de junho de 2021, o Maisfutebol noticiava que havia dois reforços brasileiros a caminho do Marítimo. Chamavam-se Pepe e Andradina.

«Após assegurar os serviços de Ezequias, um defesa-central de 19 anos, o Marítimo voltou à carga no Brasil, mais propriamente em Alagoas, onde está prestes a recrutar mais dois elementos para o plantel da próxima época. Trata-se de Pepe, outro defesa-central, de 18 anos, e Andradina, um avançado de 26 anos. Os dois jogadores estão já apalavrados com o Marítimo, devendo os negócios ser concluídos nos próximos dias», escreveu o nosso jornal. 

O avançado chegou a ser confirmado como reforço do Marítimo, no dia 5 de julho, quando o plantel se apresentou para a nova época. Nessa altura, o presidente Carlos Pereira anunciou que Pepe e Andradina apenas viajariam para a Madeira mais perto do final do mês.

A verdade, porém, é que apenas Pepe embarcou.

Ele que já contou, numa entrevista ao Expresso, que chegou sozinho e praticamente sem dinheiro. Tanto assim que foi um desconhecido quem o ajudou.

«Cheguei a Portugal, vindo do Brasil, com 18 anos, sozinho, e tinha de ir para a Madeira. Cheguei com apenas cinco euros na carteira e tinha duas opções: comprar um cartão telefónico para ligar à minha mãe ou gastar o dinheiro numa baguete. O que é que pensei? Vou tranquilizar a minha mãe. Comprei, liguei à minha mãe e acabou-se o dinheiro», revelou.

«Tinha aterrado em Lisboa às 6h30 e o voo para a Madeira era só às 11h. Tenho de comer, pensei, e fui perguntar a um rapaz da Pans & Company do aeroporto de Lisboa se havia algo para comer. Há, sim, é só escolher, disse-me ele. Mas eu não tenho dinheiro. Ele olhou para mim, foi lá atrás e saiu a seguir com uma bandeja e uma baguete cortada em duas. Come, come, come, eu dou-te. Isso marcou-me muito.»

«O empresário João Feijó pediu-me para ajudar o Pepe e tomar conta dele em Portugal»

Ora a verdade é que Andradina devia ter embarcado com Pepe e vinha com o pedido do empresário João Feijó, na altura proprietário do Corinthians Alagoano, de cuidar do miúdo.

«Nunca tinha falado com Pepe, mas sabia que era um garoto e que ia viajar comigo. O João Feijó conversou comigo umas três semanas antes do dia de embarque e pediu-me para o ajudar, para tomar conta dele. Ele é muito novo, ajude-o no que ele precisar», recorda o antigo avançado.

«Acompanhei sempre a carreira do Pepe e gosto muito do futebol dele. Foi pena não termos viajado juntos, porque na minha carreira sempre tomei muito conta dos mais novos.»

Mas afinal o que se passou para Andradina não viajar?

«Eu recebi uma proposta do Japão, do Gamba Osaka, que era três vezes superior à do Marítimo. Mas tinha um acerto combinado com o Marítimo, o que implicava um pagamento do empresário. Então eu esperei por esse pagamento do João Feijó, porque tinha dado a minha palavra. Ele não pagou no dia correto e aí eu disse que não ia esperar mais. Então decidi ir para o Japão», revela.

«Na verdade, era uma aposta minha ir para Portugal. Tinha sido duas vezes goleador no campeonato da Rússia e por isso queria ficar na Europa. Acreditava que ia fazer golos no Marítimo e podia saltar para um clube maior. Mas perdi a confiança no empresário.»

Andradina confessa que já se tinha preparado para viajar e que já «sabia muita de coisa de Portugal», até porque tinha tido «alguns amigos no Santos que tinham passado pelo futebol português, e inclusivamente pelo Marítimo».

«Para além disso, o Amaral, que jogou no Benfica, é meu amigão, ainda hoje temos contacto. Conheci-o na época de juniores, quando ele jogava no Palmeiras e eu fui o melhor marcador da Copa São Paulo. Ficamos grandes amigos para sempre. Também joguei com o Geovani, que passou pelo Barcelona. O guarda-redes dessa equipa do Santos era o filho do Pelé, o Edinho. O Pelé estava quase todos os dias no Centro de Treinos do Santos e falava-nos muito do Robinho, que era um miúdo bem pequenino. O Pelé dizia-nos: há um miúdo nos sub-13 que é incrível, têm que o ver. E nós íamos vê-lo jogar lá na base.»

«A verdade é que hoje no Brasil já ninguém pensa no Pepe como brasileiro»

E o que aconteceu a Andradina depois de não acompanhar Pepe?

«Fiquei muito pouco tempo no Gamba Osaka, fiquei apenas seis meses, porque mudou o treinador, chegou um croata e substituiu todos os estrangeiros. Fui emprestado ao Oita Trinita e depois ainda fui para o Consadole Sapporo, que é o clube onde o Hulk também jogou.»

Hoje o antigo jogador tem 48 anos e está radicado na Polónia, onde vive com a família: a mulher e dois filhos. O mais novo joga futebol e Andradina brinca que até faz lembrar Pepe.

«É um central duro, gosta muito de bater.»

A Polónia, acrescenta, mudou a vida dele.

«Cheguei aqui com 30 anos e joguei até aos 40 anos. Na parte final joguei mais como médio ofensivo, mas fazia sempre nove a dez golos por temporada. Vim para o Pogon numa fase muito delicada, o clube estava carente de jogadores de qualidade e os trataram-me sempre como um ídolo. Eu jogava com a camisola 5 e quando deixei de jogar, em 2014, a camisola número 5 do Pogon foi retirada.»

Hoje, quase dez anos depois da reforma dos relvados, ainda continua ligado ao clube por onde recentemente passaram Tomás Podstawski e Luís Mata.

«Trabalho com miúdos na idade dos 18 aos 20 anos, na formação de talentos no Pogon. Sou aquela pessoa que observa os jogos e depois aconselha os treinadores sobre as coisas a fazer, fala com os garotos sobre o que têm de fazer para melhorar.»

Numa altura em que Pepe está quase a fazer 40, Andradina olha com nostalgia para o passado e garante ficar feliz com o sucesso daquele miúdo com o qual esteve quase a viajar.

«Apesar de o Brasil dizer que ele é muito mau e muito violento, eu gosto muito da personalidade dele. Mas nunca poderia imaginar que chegaria tão longe, tornando-se internacional português. A verdade é que hoje já ninguém pensa nele como brasileiro, ninguém o vê como brasileiro. Mesmo quando fala já tem sotaque de Portugal.»

Um português do coração.