Jorge Manuel Rebelo Fernandes: o nome que, nos próximos dias, deve sentar-se na cadeira principal de treinador do Sporting.
É provável que o nome completo lhe soe a pouco, leitor.
O menino nascido em Lisboa, a 1 de setembro de 1976, é afinal de contas conhecido apenas pela alcunha: Silas. Uma alcunha herdada no mundo da bola de um brasileiro que jogou no fim da década de 80 no Sporting.
Nesta altura convém sublinhar a risco grosso o nome do Sporting. Por um lado, porque é o clube do coração de menino de Silas, por outro lado porque o técnico está, trinta depois, de regresso a Alvalade.
Para quem foi treinado por ele no Belenenses, como por exemplo Tiago Caeiro, não é propriamente uma surpresa.
«Entre nós, jogadores, falávamos que, com uma oportunidade de treinar uma equipa como o Sporting, tem tudo para ter sucesso. Pela forma de estar no futebol, pelo conhecimento. Tem muitos anos de futebol. É a minha ideia, sempre teve ideia positiva de jogo e os jogadores gostam disso», disse Caeiro em conversa com o Maisfutebol.
«O contexto não é fácil, mas acho que o Sporting aposta bem. Claro que é sempre um risco, se calhar neste momento, treinar o Sporting, mas é nestas alturas que aparecem boas oportunidades e acho que ele vai agarrar bem esta.»
Mas voltando atrás, convém dizer que o nome que projetou Jorge Manuel no futebol tem uma vida ligada a ele: mais de 30 anos. É isso caminho de três década que nos propomos fazer neste texto, com muitas histórias incríveis para contar.
Silas, convém dizê-lo desde já, começou a jogar a sério no Domingos Sávio, na época 1986/1987. Depois foi treinar à experiência ao Sporting e ficou cerca de dois anos em Alvalade. Na transição do escalão de infantis para iniciados acabou, porém, por ser dispensado.
«Era franzino, baixinho e naquela altura dava-se muita importância ao físico. Mas olhando para trás acho que tomaram a decisão correta», afirmou Silas, numa entrevista à Tribuna Expresso, em 2017.
Curiosamente, neste percurso, Silas cruzou-se com Beto e Nuno Luís, respetivamente o atual coordenador técnico do Sporting e o pai de Miguel Luís, agora médio dos leões. Isto no plantel de iniciados, em 1988.
O Sporting de Varandas: a herança que Silas vai encontrar
Seguiria do Sporting para o Atlético, clube que elegeu também pela proximidade à casa onde vivia com a avó, em Campolide: a história familiar também marcou o crescimento de Silas, mas já lá vamos. Em simultâneo com o futebol no Atlético, foi jogador e treinador de futebol de salão, no Santana.
Passou nove anos no clube da Tapadinha, terminou a formação e subiu a sénior. Isto em 1995. Jogou três épocas na equipa que disputava então a extinta II Divisão B [hoje Campeonato de Portugal] e, já ligado ao empresário Jorge Gama, rumou a três anos de futebol em Espanha: dois na AD Ceuta e, pelo meio destes, um de empréstimo ao Elche.
O regresso a Portugal dar-se-ia em 2001 e para a União de Leiria.
Pelo meio ainda houve abordagem para rumar à equipa B do Barcelona, mas o presidente dos leirienses já o tinha prometido a José Mourinho, então técnico no Lis. «Gorou-se a possibilidade de eu ir para o Barcelona B ganhar três vezes mais», lembrou Silas, na mesma entrevista à Tribuna Expresso.
No entanto, é em Leiria que, pela mão de Scolari, chega à seleção nacional. Foi internacional três vezes, todas em 2003, em jogos particulares. O primeiro a 2 de abril, contra a Macedónia. Mas por ali ficou a aventura nas quinas.
Bairro social, cicatriz e a tatuagem
Como já referido, a vida familiar de Silas foi marcante. Jorge Manuel mal conheceu o pai biológico, separado da mãe antes do seu nascimento. Cresceu num bairro social e começou a viver numa barraca, até aos quatro anos. O percurso desportivo foi sempre acompanhado pelo seu padrasto.
Já na reta final da formação, o primeiro salário foram 60 euros, nos juniores do Atlético.
Além do plano desportivo, a viagem de Silas pelo mundo de futebolista ficou marcada por algumas curiosidades. Em Espanha, quando estava no Ceuta, foi atingido por uma placa de cimento e teve de ser suturado com 11 pontos. É amante de rock e tem duas tatuagens, a mais significativa a que tem numa perna: um vocalista com uma guitarra.
A «frontalidade» e o «futebol atrativo»
Tiago Caeiro não tem dúvidas. Silas «não é o treinador que diz uma coisa e faz outra». E apela ao lado positivo em campo. Seja contra quem for. «É uma pessoa de bom caráter e quando se é boa pessoa, torna-se sempre mais fácil lidar com balneários».
«Ele dizia que o jogador tem de ser corajoso, ambicioso e, com equipas teoricamente mais fortes, Sporting, Sp. Braga, Benfica ou FC Porto, encarar olhos nos olhos. Ele transmite isso, está sempre mais próximo de ganhar do que a jogar com um autocarro e nem é bom para o espetáculo. Proporciona bom futebol e a realidade é que o Belenenses praticou bons jogos, até contra os grandes», recorda Caeiro.
«É um futebol de posse de bola, de não haver pressas. Ele dizia: quanto mais depressa a bola chega à frente, mais depressa volta para trás. É um futebol de paciência, encontrar bem os espaços para atacar a baliza e no Sporting, com o plantel de qualidade que tem, obviamente vai ter mais sucesso, conseguir vitórias. É uma pessoa em quem se pode confiar, aberta a falar de tudo. Nas conferências de imprensa não tem problemas, não omite as coisas e responde a tudo com frontalidade», nota Caeiro.
ALGUMAS IDEIAS QUE SILAS JÁ DEIXOU COMO TREINADOR:
- «Com canais pagos, se as pessoas não gostarem do futebol, não pagam»
- «Jogamos sempre para atacar»
- Silas pede desculpa publicamente a jogador do Belenenses
- «Disse aos jogadores a verdade: estavam a fazer tudo ao contrário»
- «Podemos ganhar a qualquer equipa, em qualquer campo»
Segue-se o leão
Aos 43 anos, o menino que fez o 12.º ano, mas que atacou ferozmente a vontade do futebol, parte para um dos desafios mais exigentes da carreira. Pelo contexto atual do Sporting e pela essência do desafio. Aguarda por obter o quarto nível do curso de treinadores.
De Mourinho em Leiria a Scolari na seleção, passando por Jorge Jesus no Belenenses. Silas bebeu de todos eles e passou para a cadeira de treinador em janeiro de 2018. Primeiro no Restelo e depois no Jamor, já após uma curta experiência no Sindicato. Alvalade é já ali e teve elogio do antecessor holandês nos 8-1 da época passada: pelo futebol ofensivo, dinâmico e de tentativa de desequilíbrio no adversário. «Continuo a dizer que a ideia de jogo do Belenenses é muito boa», referiu Marcel Keizer, em maio.
«Vai impor as ideias dele, está a começar como treinador, a ideia de jogo é aquela que o jogador gosta e que ele gosta de transmitir. Vai meter o Sporting a jogar um futebol atrativo, ofensivo, com posse de bola, domínio sobre as outras equipas. De certeza que ele vai conseguir isso no Sporting», finaliza Caeiro.