No próximo sábado, quando Sporting e Benfica entrarem em campo para dar início a mais um dérbi, haverá muita gente, de um e outro lado da barricada, à espera que brilhe Slimani ou Jonas, Bryan Ruiz ou Gaitán, enquanto no centro estará alguém que, mais do que brilhar, quer passar despercebido. Porque quando se fala de arbitragem, uma coisa significa, normalmente, a outra.

Artur Soares Dias foi novamente escolhido para dirigir um jogo grande do futebol português. É o terceiro desta época, depois de ter estado nos dois duelos entre Benfica e FC Porto, no Dragão e na Luz. Sem polémicas de maior à mistura em ambos os casos, como deseja. Costuma dizer-se que é o maior elogio à prestação de um árbitro, quando não há nada para apontar. Ter sucesso na arbitragem é, então, por assim dizer, sair sem se fazer notar. 

Já antes, mas sobretudo após o final da carreira de homens como Pedro Proença ou Olegário Benquerença, Soares Dias vai-se afirmando como referência na arbitragem lusa. E subindo mais degraus de uma carreira conquistada a pulso e desde muito cedo.

Afinal de contas, falamos de alguém que aos 17 anos começou como árbitro na Associação de Futebol do Porto. Estávamos em 1996 e o jovem Artur começava a ganhar o sonho de seguir as pisadas do pai, Manuel Soares Dias, que também foi árbitro e se retirou, precisamente, naquele ano.

A influência familiar foi decisiva neste caso. Como em tantos outros, noutras carreiras. A ideia é deixada por Jorge Sousa, também ele árbitro de primeira categoria, em conversa com o Maisfutebol. Conhece bem Artur Soares Dias pois integram a mesma Associação e desenvolveram as suas carreiras quase em paralelo.

«Quer queiramos quer não, quando há tradição familiar numa certa atividade, há sempre uma tendência para seguir esse caminho. Basta ver que é algo que acontece com jogadores de futebol, com médicos... Portanto tendo o Artur um pai que foi árbitro, é normalíssimo que sinta a paixão pela mesma área», defende Jorge Sousa.

Mas que não se pense que Manuel Soares Dias fez força para ver o filho seguir-lhe as pisadas. Bem pelo contrário. A história foi contada pelo próprio Artur, numa entrevista ao site da Uefa, em 2013, quando apitou a final da Taça das Regiões: «O meu pai disse-me sempre: 'Não queiras ser árbitro, é muito difícil'. Mas quando ia ver os jogos dele assistia aos gritos dos adeptos, às discussões com os dirigentes e a toda aquela pressão; era aquilo que eu gostava. É estranho, mas é sempre bom quando sinto esta pressão. Preciso de um desafio. Necessito de desafios e é isso que é a arbitragem.»

Soares Dias no último Benfica-FC Porto

«Subir à Primeira Categoria com 25 anos não é normal»

Jorge Sousa conhece Soares Dias há 12 anos, sensivelmente. É mais velho três anos mas as carreiras seguiram passos parecidos. Degrau atrás de degrau.

Veja-se o caso de Artur. Depois do início em 1996, precisou de apenas quatro anos para subir à terceira categoria, a mais baixa a nível nacional. Dois anos depois, em 2002, já estava na segunda categoria e só precisou de mais dois para chegar à elite nacional. Foi em 2004, tinha 25 anos.

«Subir à primeira categoria com 25 anos não é, de todo, a idade normal. Mas não há regra sem exceção. Quando há valores que justifiquem uma chamada mais precoce, acho que faz todo o sentido. Além disso, o Artur tinha 25 anos mas começou na arbitragem com 17. Portanto, tinha oito anos de carreira. Isso já é alguma coisa porque a média de chegada à primeira categoria são 10 anos, a diferença não é muita», explica Jorge Sousa.

Na verdade, casos como o de Artur Soares Dias podem tornar-se cada vez mais frequentes. Sinais dos tempos. Jorge Sousa explica: «Há 20 anos, por exemplo, era comum ter uma imagem mental de um árbitro de um senhor já com uns 40 anos. Porque chegavam mais tarde à arbitragem. Vindo mais cedo, as coisas mudam, porque por serem mais jovens na primeira categoria não significa que sejam menos experientes. Pelo contrário.»

E acrescenta: «O que se tem verificado é que há cada vez mais jovens a abraçar esta carreira mais cedo, por volta dos 16, 17 anos e o que aconteceu com o Artur passará a ser mais comum, acredito.»

Faltam-lhe os jogos grandes da Champions e uma grande competição de seleções

O percurso de Artur Soares Dias na arbitragem foi, como se disse, meteórico. Aliás, o degrau que demorou mais tempo a subir foi a passagem a internacional, que aconteceu em 2010. Eram outros tempos. O quadro de árbitros internacionais portugueses não sofria os rombos que têm vindo a acontecer nos últimos tempos e, por isso, as vagas eram também mais escassas.

Assim, só a partir do início da década atual começou a mostrar-se na Europa. Em 2011 esteve no Europeu Sub-17 arbitrando, inclusive, a meia final entre Holanda e Inglaterra. Dois anos mais tarde apitou a final do torneio de Toulon, entre Brasil e Colômbia e em 2015 esteve no Mundial Sub-20.

Esta época já dirigiu três jogos da fase de grupos da Liga Europa e o Midtjylland-Manchester United, dos 16 avos de final. Falta-lhe, é certo, chegar aos jogos grandes da Liga dos Campeões, pois tem-se ficado pelas pré-eliminatórias. Mas a confiança que os responsáveis da Uefa nele depositam começa a equiparar-se ao que acontece em Portugal, quando o seu nome já não surpreende ninguém quando é chamado para os grandes embates.

Jorge Sousa avalia: «Estamos na presença de um dos melhores árbitros portugueses. A quantidade de vezes que é chamado para estes jogos mostra a sua competência e a confiança que os dirigentes depositam nele.»

«Ele tem todas as características que fazem um bom árbitro. Uma boa condição física, competência, boa preparação do jogo, boa condição emocional, metodologia correta de preparação de um jogo, boa abordagem e relacionamento com os intervenientes. Além disso, tem uma personalidade vincada o que também é importante. E, por fim, é uma pessoa que não tem problemas em tomar medidas impopulares. Tem aquilo a que nós chamamos coragem e que é essencial num bom árbitro.»

Artur Soares Dias não é demasiado dado a mediatismos, algo que, de resto, é regra geral entre os árbitros, mas defende publicamente a classe sempre que julga necessário. Foi assim, por exemplo, quando se avançou com a possibilidade de fazer regressar o sorteio dos árbitros, medida que não aprova

«Algum treinador da Liga sorteia os jogadores que coloca em campo? Algum presidente de um clube sorteia o treinador? Sendo eu diretor de recursos humanos, nunca sorteei qualquer colaborador para uma determinada função. Pela sua qualidade, competência e perfil escolho aquele que me parece mais indicado para a tarefa em questão. Os 24 árbitros profissionais não são todos iguais, logo há que ter os melhores nos jogos mais importantes», afirmou, em 2015, numa entrevista ao jornal «Record».

Soares Dias e Nani no FC Porto-Sporting da época passada

Também foi um dos que deram a cara para contrariar o clima de intimidação que se instalou em 2012, quando dados pessoais de árbitros foram postos a circular na internet. Disse, na altura: «Lamento que o futebol esteja cada vez mais a ser estragado. Situações como estas, como a falta de privacidade e o chegar à família dos árbitros, são inadmissíveis e estragam o futebol em geral. Vejo jogadores a falhar passes, a marcar golos na própria baliza, mas só vejo a imprensa, os treinadores e tudo o resto a falar dos árbitros. Não consigo perceber. Sinto que a minha família está ameaçada e isso é o que me preocupa.»

Ainda assim, nem aí ponderou deixar a arbitragem, a paixão de sempre.

E pode um árbitro assumir o clube preferido? O tema levou a um comentário em 2013. Na altura para contrariar o presidente da Liga, Mário Figueiredo, que defendia que os árbitros deveriam evitar apitar «clubes dos quais são adeptos».

Disse Soares Dias: «Eu próprio, sendo simpatizante de qualquer clube, tenho sempre em mente a minha pessoa, a minha seriedade e integridade. Eu defendo a minha cor e a minha cor é ser árbitro de futebol de uma forma ética, correta e profissional.»

Características que, de resto, Jorge Sousa, pela amizade que os une, conhece bem: «Fora do campo, o Artur é uma pessoa muito tranquila, determinada, muito prática e acessível. Creio que estes são os adjetivos que melhor o definem fora do terreno do jogo e, de certa forma, também quando está a arbitrar.»

Como se prepara um jogo que vai parar o país?

O ambiente que espera Soares Dias em Alvalade

A questão que surge no entretítulo foi colocada a Jorge Sousa durante a conversa sobre Artur Soares Dias e a resposta pode resumir-se em poucas palavras: como qualquer outro.

«É importante sublinhar que a preparação para um jogo destes é rigorosamente a mesma de qualquer outro. Naturalmente, estes são jogos que gozam de mais mediatismo, claro, mas para o árbitro a preparação obedece ao mesmo rigor. É mais um», garante.

E explica depois o processo: «Desde que toma conhecimento da nomeação, a primeira preocupação passa por conhecer as equipas e intervenientes, com o máximo detalhe possível. Desde características individuais e coletivas da equipa, por exemplo. Não se deixa nada ao acaso.»

E pormenores que podem parecer um detalhe apenas ao olhar comum, são essenciais na preparação de um árbitro. A composição dos bancos de suplentes, por exemplo. É um dado muito importante para as equipas de arbitragem. «Quem pode lá estar, que perfil têm essas pessoas…», frisa Jorge Sousa.

«É determinante estar a par disso porque, como se sabe, vários dos problemas que surgem durante um jogo têm origem nos bancos. Quanto mais conhecimento tiver, mais fácil é prever determinadas situações e estar apto para as resolver.»

Esta atenção aos detalhes é mesclada, naturalmente, com os treinos semanais para cuidar a condição física, que costumam ser três, além de outros fatores importantes, como o próprio enquadramento com o ambiente que o árbitro irá encontrar. Não é a mesma coisa arbitrar perante a pressão de 50 mil pessoas em Alvalade ou com pouco mais de mil num outro qualquer estádio.

E, para que se percebe até onde chega a preparação, até os jogadores que vão entrar em campo são estudados. E como sabem quem joga?

«Não tenha dúvidas, por exemplo, que um árbitro, quando vai para um jogo, é capaz de adivinhar os 22 jogadores que vão estar em campo, ou perto disso. É preciso ir a esse detalhe», resume Jorge Sousa.