Por esta altura já poucos terão dúvidas que Diogo Dalot é um talento precoce.

Porque o talento vai sendo espelhado em cada aparição, mais ou menos mediática, no relvado e a precocidade é uma consequência quase inevitável de quem tem tanto jeito para a arte.

Aos 18 anos estreou-se como titular do FC Porto na Liga e logo com duas assistências. Não será coincidência. Diogo cresceu a queimar etapas, desde os primeiros toques na bola, na Escola Fintas, até aos escalões de formação do FC Porto e à seleção nacional.

Luís Travessa, responsável do Fintas que treinou o Diogo de seis anos que lhe bateu à porta, acompanha-nos nesta viagem no tempo. Uma viagem que começa...três anos à frente. Estamos a falar de Dalot, há etapas para queimar.

«O Diogo nasceu em 1999 mas conseguimos pô-lo a jogar três anos acima, porque organizamos as equipas não pela idade mas pelo nível de conhecimento de jogo, aptidão e desempenho individual e coletivo. Inclusivamente ele foi um ano federado pelo Fintas no escalão de benjamins e, para isso, tivemos de ter uma autorização especial de um centro médico em Lisboa para ele poder subir dois escalões, porque não tinha idade sequer para esse escalão», recorda, em conversa com o Maisfutebol.

Estávamos em 2006 e o jovem Diogo começava a mostrar no campo aquilo que a família já via desde cedo: uma relação especial com a bola. O Fintas é uma escola que tem a mesma idade de Dalot e, agora, um porta estandarte de luxo, que atesta a competência do trabalho.

O, agora, lateral do FC Porto começou a jogar no polo de Braga, cidade de onde é natural, embora a família se desdobre um pouco por todo o Minho. Exagero? Ora, a residência é em Braga, mas o pai de Diogo é natural de Celorico de Basto e trabalha, como advogado, em Guimarães, enquanto a mãe é natural de Vieira do Minho e professora na Póvoa de Lanhoso. Entendem, agora?

As raízes de Diogo Dalot estão, por isso, em Braga, onde ainda mora com os pais. O nome Dalot, vem da família materna e tem origem francesa. A relação familiar é muito próxima, também porque desempenhou um papel fundamental na sua formação.

«O Diogo tem a sorte de ter uma família fabulosa, que colaborava com a Escola Fintas, e esteve sempre na sua retaguarda. É muito importante, para qualquer jovem, ao fim do treino ter o carinho da mãe, da irmã, da família», resume Luís Travessa.

Mas, claro, não é tudo. É preciso talento. E aí, conta o seu antigo treinador, não deixava qualquer dúvida: «Era muito focado, queria saber o porquê das coisas, queria repetir para melhorar. Isso distinguia-o. Aplicava-se nos treinos, numa altura em que a maioria dos jovens é jovem do jogo.»

«Por esse interesse do treino, acredito que o Diogo vai ser um grande treinador, também. Não tenho qualquer dúvida», atira Luís Travessa.

Aqui colocamos um travão. Mesmo que Diogo esteja habituado a queimar etapas, há muito para contar antes disso.

Vamos lá então.

O Benfica apareceu primeiro, mas era longe...

Em 2008, Diogo Dalot entrou pela primeira vez em campo com a camisola do FC Porto. Era um sonho, para um menino que tinha ido pela primeira vez ao estádio na inauguração do Dragão, que era portista, tal como toda a família.

Mas a verdade é que o futuro poderia ter sido diferente. Embora Benfica e FC Porto tenham contactado o pai na mesma semana, os encarnados chegaram primeiro e Dalot passou dois fins de semana em Lisboa, em teste. O Benfica gostou do que viu e quis ficar com ele. A distância era um entrave, mesmo que os encarnados estivessem dispostos a coloca-lo na escola que abririam em Braga.

Seria sempre numa primeira fase, o que poderia levar, no limite, a uma mudança drástica na rotina da família Dalot, como se disse, com vida feita em Braga. E, claro, havia o coração a puxar para o FC Porto que também o queria. Por tudo isso, ganhou o azul e branco.

O interesse em Diogo Dalot surgiu a partir das prestações no Mundialito de 2007, em Vila Real de Santo António. Numa espécie de seleção nacional (não existe em idades tão jovens), destacou-se entre outros nomes que também ganharam enfoque na formação nos últimos anos: os, agora portistas, Diogo Queirós, que estava no Leixões, e Diogo Bessa, que estava no Boavista; ou o benfiquista Nuno Santos, na altura também jogador do Boavista.

O que viram Benfica e FC Porto em Diogo Dalot? Luís Travessa não tem dúvidas: «Talento, versatilidade e vontade. Jogava como lateral, central ou ponta de lança. A rotatividade de posições é política da escola. Nesta idade é o que faz sentido. É uma característica da formação moderna do jogador: ter competências para desempenhar as funções que a equipa precisa.»

Além disso, lembra que Dalot «era muito eficaz na finalização». «Em poucas oportunidades, fazia muitos golos. Essa eficácia também tem muito a ver com a concentração dele, via onde estava o guarda-redes e desviava», explica.

«Há miúdos que são muito precoces e morrem, mas ele não. Juntava ao talento a força de vontade. Nunca estava cansado. Nunca falhou um treino. Jogava numa equipa e noutra se fosse preciso», conta.

Um golo de Diogo Dalot, com 12 anos:

Seguiu, então, para o FC Porto, o que levou a uma «ginástica» no transporte. Havia três treinos por semana e jogos ao fim de semana. Na altura, havia outros jovens de Braga a jogar nos dragões, o que fez com que as boleias fossem rotativas entre as famílias. Mas, aos poucos, o crivo da formação fez-se sentir e ficou só Diogo Dalot. Aí, era com a mãe que todos os dias, porque a partir dos sub-15 os treinos eram diários, fazia a viagem Braga-Olival, esperava pelo filho, e trazia-o de volta a casa.

A rotina, fosse com a mãe ou o pai, durou até novembro último, altura em que tirou a carta e comprou carro. No início da época, já a treinar com a equipa A, ainda era o pai que o levava ao Olival. Era, naturalmente, o único jogador do plantel de Sérgio Conceição que tinha boleia do pai para o trabalho. A precocidade tem destas coisas...

«A carreira dele pode estender-se por 30 anos»

Passaram muitos anos desde os primeiros toques no Fintas e Diogo é hoje um jogador quase feito. Luís Travessa ainda vê nele muito do que viu aos primeiros treinos.

«Continua a ter a irreverência, criatividade e o gosto. Ele é alegre e nota-se nele a felicidade em jogar. Neste jogo com o Portimonense, por exemplo, vi-o compensar ao centro, roubar espaço ao Portimonense. Isso é revelador do talento do jogador. Ele não cumpre as tarefas dele, cumpre as tarefas que o jogo lhe pede», sublinha.

Lembra, claro, que o que mostra já é fruto do trabalho de tantos anos. Do início no Fintas, aos escalões de formação portistas, passando pela equipa B e, claro, as várias seleções.

Diogo Dalot foi campeão europeu sub-17, numa altura em que até vivia uma fase mais complicada. Chamado por António Folha à equipa de juniores, estava na sombra de Fernando Fonseca, dois anos mais velho e dono do lugar na lateral direita da defesa. Mas foi à seleção, brilhou e nesse mesmo ano foi chamado ao Europeu sub-19, por Emílio Peixe.

De lá para cá já esteve no Mundial Sub-20, voltou ao Euro Sub-19 e estreou-se nos sub-21, com Rui Jorge.

«Está tarimbado. Tem passado degraus passo a passo, que é uma expressão dele que eu partilho. É um miúdo com 18 anos e da forma como é equilibrado, como é atleta, se não tiver graves lesões, a carreira poderá estender-se por 30 anos», acredita Luís Travessa.

E explica que vê nele, mais do que um jogador de futebol, um atleta. E um atleta consciente do que deve ser.

«Estou convencido que, se fosse para outras áreas do desporto, ia ser um grande atleta. O Diogo é um atleta natural, tipo Cristiano Ronaldo. Jogadores pouco propensos a lesões. E ele tem uma qualidade de vida que o ajuda, o tal treino invisível. Lembro-me que houve aqui uma vez um concerto em que a irmã ia cantar e ele não foi ao concerto para poder descansar, para no jogo estar totalmente bem. São os chamados momentos à Cristiano Ronaldo. Podia ser um atleta de qualquer outra modalidade, caso se tivesse dedicado a isso.»

Diogo Dalot recebe prémio de mérito escolar: 

Tinha de cantar uma música: escolheu o hino do FC Porto

Assinou contrato profissional com o FC Porto depois do Euro Sub-17, mas o vínculo atual termina em 2019. Já muita gente pede a renovação até porque há muitos tubarões à espreita e o futuro, está visto, será nos relvados. Completou o 12.º ano, entrou em Desporto na Universidade do Porto, mas congelou a matrícula. Está lançado para ser profissional.

E no clube do coração, claro, onde cresceu a cultivar o portismo. Aliás, este ano, na habitual praxe que os mais velhos fazem aos novos, na equipa principal, teve de cantar uma música: escolheu o hino do Porto.

A música, de resto, poderia até ser uma alternativa, a julgar pela herança familiar: a irmã, Mariana, é cantora; os pais conheceram-se num coro.

Agora, é mais um para ajudar ajudar o FC Porto a conquistar um título que foge desde 2013, quando Diogo Dalot era...apanha bolas. Era ele que estava atrás da baliza de Artur Moraes quando a bola chutada por Kelvin entra na baliza. No vídeo vê-se o miúdo que, junto ao poste esquerdo, ergue os braços e se vira para a claque. Podia ter corrido mal: já não aparece no vídeo, mas, entre a euforia, uma tocha quase acerta na cabeça de Diogo.

Feita a estreia, vem aí o Clássico com o Sporting e, muito provavelmente, Diogo Dalot será titular. Mais um teste de fogo para o, outrora, miúdo do Fintas.

Luís Travessa, que ficou com «pele de galinha» durante o jogo com o Portimonense, não esconde o orgulho que é para a escola a carreira que Dalot está a construir.

«Centralizamos mais a nossa tarefa na evolução do jogador e menos nos resultados, apesar de termos alguns títulos de campeões distritais. O nosso grande prazer é ver os miúdos chegarem a altos patamares, porque esse é o grande objetivo da formação. Ninguém entra para perder, mas tentamos ter sempre esta filosofia», garante.

O resto, claro, é com o talento. E aí, Dalot vem sendo como o algodão: não engana.