A 'World Cup Experts Network' reúne órgãos de comunicação social de vários pontos do planeta para lhe apresentar a melhor informação sobre as 32 seleções que vão disputar o Campeonato do Mundo. O Maisfutebol representa Portugal nesta iniciativa do prestigiado jornal Guardian. Leia os perfis completos das seleções que participarão no torneio:

Autor dos textos: Kristof Terreur
Parceiro oficial na Bélgica: Het Laaste Nieuws
Revisão: Filipe Caetano


A lesão de Christian Benteke é uma grande baixa para a equipa de Marc Wilmots. O avançado do Aston Villa era a primeira escolha, porque é melhor na ligação com Eden Hazard e Kevin De Bruyne, sendo que aos olhos do treinador Romelu Lukaku não pode desempenhar o mesmo papel. Wilmots não está convencido que o avançado do Chelsea saiba segurar a bola como Benteke, o que permitiria aos médios surgirem com perigo na área adversária.

Numa entrevista reveladora ao jornal «Het Laatste Nieuws», a 30 de abril, o selecionador disse que Lukaku nem sequer é a escolha automática para preencher o lugar deixado vago pela ausência de Benteke. «Vai depender do adversário», disse Wilmots na altura. O avançado destacou-se no jogo de qualificação com a Cróacia, marcando dois golos, mas a Bélgica jogou em contra-ataque em Zagreb. O próprio Lukaku já admitiu que não gosta de jogar sozinho na frente, sendo mais perigoso quando corre em direção ao adversário, tirando partido da velocidade e força. Para o ataque ainda existe Kevin Mirallas, que jogou a falso nove em Gales, mas Hazard e até Adnan Januzaj podem assumir esse papel. O jovem avançado Divock Origi, de 19 anos, foi a grande surpresa na lista final e tem o perfil mais próximo de Benteke, mas a sua presença no Brasil não passará de uma oportunidade para ganhar experiência.

São cinco os jogadores indispensáveis na equipa. Thibaut Courtois (um guarda-redes de classe mundial), o defesa-central Vincent Kompany (um tenente dentre de campo), Axel Witsel e os extremos Eden Hazard e Kevin De Bruyne. Se estiverem em condições jogam sempre. Wilmots também assegurou que Thomas Vermaelen terá o seu lugar na defesa ao lado Kompany, apesar da época difícil no Arsenal. Muitas vezes relegado para o banco de suplentes, poderá não ter o ritmo desejado, mas tem vindo a cumprir um plano específico para conquistar a forma ideal juntamente com o preparador físico da Seleção.

Daniel Van Buyten e Nicolas Lombaerts estão à espreita e podem entrar para o centro da defesa quando houver oportunidade, ao contrário de Jan Vertonghen e Toby Alderweireld, que estão a ser poupados para as alas. As laterais são, aliás, um dos pontos fracos da equipa, uma vez que não existem no plantel soluções de raiz para os jogos com as equipas mais fortes.

Para os dois lugares disponíveis no meio-campo existem várias possibilidades. Moussa Dembélé ou Marouane Fellaini são os principais candidatos para o lugar de box-to-box, com o jogador do Manchester United a partir como favorito. Também o portista Steven Defour tem boas possibilidades para entrar nesta posição, como ficou demonstrado em toda a fase de qualificação. Para número 10 o selecionador é um grande fã de Nacer Chadli, que viveu uma época complicada no Spurs. De Bruyne será titular no lado direito e Hazard no esquerdo. Januzaj também estará à espreita para entrar no onze.

A Bélgica não vencia um jogo desde o final de outubro, mas aproveitou os últimos amigáveis para reconquistar alguma confiança, com triunfos sobre a Suécia (2-1) e a Tunísia (1-0). As expetativas são elevadas, mas enquanto muitos jogadores fizeram uma boa época em 2012/13, esta temporada foram menos convincentes e isso pode refletir-se no rendimento da equipa. Pode ser uma seleção forte, mas só Daniel Van Buyten tem experiência de disputar um Mundial, o que deixa dúvidas sobre a reação dos mais jovens num palco tão exigente como é o Campeonato do Mundo.

Que jogador vai surpreender neste Mundial?
Axel Witsel não joga numa liga atrativa e por isso é um dos menos conhecidos desta equipa a nível mundial, uma vez que grande parte dos seus colegas atua em Inglaterra ou em Espanha. Mas é um jogador-chave para o selecionador, podendo ainda crescer posicionalmente como número 6. Possui enorme potencial, como já foi possível confirmar no Benfica e no Zenit: boa visão de jogo, excelente passe, capacidade e chama. Parece tudo fácil e raramente comete um erro. É mais do que um médio defensivo, uma vez que consegue posicionar-se a nível ofensivo devido à sua capacidade para jogar box-to-box. Aos 25 anos está pronto a mostrar ao mundo porque é que o Zenit pagou 40 milhões de euros por ele.

Que jogador vai dececionar no Brasil?
Ninguém, mas se as coisas correrem mal toda a gente vai apontar o dedo a Eden Hazard. Demonstrou no Chelsea esta época que pode ser um jogador-chave e tem a possibilidade de replicar isso mesmo na seleção, embora raramente o tenha feito. Durante a fase de qualificação, Kevin De Bruyne foi o o principal elemento da equipa e Hazard sabe que tem de estar no máximo para ser mais decisivo. Só marcou cinco golos em 42 jogos, três dos quais de grande penalidade.

Qual é a expetativa real para a seleção no Mundial?
Quartos-de-final. A Bélgica é a grande favorita num grupo fácil, mas poderá encontrar Portugal ou a Alemanha nos oitavos-de-final. Esse será o grande teste a esta equipa, sabendo que até agora nunca teve de defrontar seleções desse nível, por isso é aí que terá de provar se está à altura das expectativas.



Curiosidades e segredos da seleção

Nicolas Lombaerts e Simon Mignolet
A maioria dos jogadores não conseguem conciliar os estudos com o futebol, mas dois jogadores belgas têm cursos universitários. O guarda-redes Simon Mignolet, titular no Liverpool mas suplente na seleção, formou-se em ciências sociais e políticas. Nicolas Lombaerts, defesa-central suplente e um dos principais jogadores do Zenit de São Petesburgo, é formado em direito. Ambos frequentavam os seus cursos enquanto já eram profissionais de futebol na Bélgica, Mignolet pelo STVV e Lombaerts no Gent. Este último também mantém interesse nos movimentos das bolsas.

Daniel van Buyten
É o único jogador belga na atual equipa que disputou o Campeonato do Mundo de 2002. Apesar de muito criticado no seu país, nunca desistiu e é um dos poucos belgas que conquistou a Liga dos Campeões, com o Bayern Munique em 2013. Após a final desfraldou a bandeira nacional com um coração e a inscrição «pai» e «mãe», mostrando o respeito pelos seus pais. Van Buyten também tem um lado engraçado e no Bayern é conhecido como Obelix, enquanto Ribery é o Asterix.

Toby Alderweireld
O defesa do Atlético de Madrid tem tatuada a famosa «catedral de Nossa Senhora», de Antuérpia, no braço direito porque tem orgulho na cidade onde cresceu. «Quando tinha 15 anos mudei-me de Antuérpia para Amesterdão para jogar no Ajax, mas nunca deixei de amar a minha cidade e por isso quis mantê-la sempre por perto. A catedral domina a paisagem da cidade, é algo do qual nos podemos orgulhar. Ainda hoje me impressiono sempre que entro nela e é mais um museu do que uma igreja. É um dos sítios mais bonitos de Antuérpia. A tatuagem custou-me três sessões de três horas e foi algo doloroso, mas fiquei feliz com o resultado», confessou.

Vincent Kompany
É o líder da equipa e alguns chaman-no o «homem de negócios». O defesa do Manchester City combina a sua carreira de futebolista com a vida de estudante, dado que inscreveu-se num MBA na Escola de Negócios de Manchester. Tem participações na empresa «Elite Limousine Services», investiu no clube BX Brussels e ajudou uns amigos a fundar a seguradora «Protection Rapprochée». Para além disso, é co-fundador da «Bonka Circus», uma produtora de música e televisão que faz um programa sobre a seleção nacional. Tem os seus bares de desporto em Bruxelas e Antuérpia («Good Kompany») e está envolvido em vários projetos de caridade, como as aldeias SOS e outros.

Perfil de uma figura da seleção: Axel Witsel 



Vilão. Bruto. Criminoso. Inimigo de estado ou pelo menos assim é considerado pelos adeptos mais fanáticos do Anderlechet. 30 de agosto de 2009 é uma data que mudou para sempre a vida de Axel Witsel. Foi o dia em que um elegante médio com o mundo a seu pés, e que já tinha recebido o troféu de melhor jogador da Bélgica, se tornou uma besta.

Naquele domingo à noite, num sempre escaldante jogo entre os rivais do Anderlecht e do Standard Liège no estádio Constant Vanden Stock, em Bruxelas, Witsel dicidiu entrar em tackle deslizante com Marcin Wasilewksi, um defesa robusto que não hesitava em levantar o cotovelo aqui ou ali ou a dar um pontapé ocasional nos adversários. O médio fechou os olhos e esticou a perna, mas o opositor chegou primeiro à bola e a chuteira de Witsel ficou cravada na perna de.Wasilewksi. Uma entrada horrível, uma cena chocante.

Wasilewksi contorce-se em dores, o pé parece solto. Os jogadores do Anderlecht choram enquanto vêem o colega sofrer. O cordeiro tinha partido a perna do carniceiro. Witsel é expulso, mas o pior ainda está para vir. Os media e o público em geral criticam-no severamente. É primeira página nos jornais durante dias e chega a receber ameaças de morte. A federação suspende-o por oito jogos, mas aquela entrada vai persegui-lo durante meses.

«As pessoas insultavam-me e algumas até atiravam pedras contra as janelas», reconheceu numa entrevista.O incidente mudou Axel, que passou a ser uma pessoa mais fechada e claramente afetada pelo sucedido. Criou uma espécie de pele espessa que o tornou mais forte e equilibrado.

Mas o tempo cura tudo e os adeptos belgas voltaram a aceitá-lo, embora alguns do Anderlechet continuem a não suportá-lo. A besta voltou a ter beleza novamente. É aceite como um médio com técnica excelente, o jogador que já tinha sido, à parte aquele dia. Até 2009, a carreira do filho de pai com raízes na Martinica e de uma mãe belga floresceu. Cresceu como jogador ao lado do seu melhor amigo Nacer Chadli numa praça de Vottem, um subúrbio de Liège, e tornou-se profissional no Standard. Em 2007 chegou à primeira equipa dos futuros campeões belgas uns meses depois de Marouane Fellaini, outro símbolo do clube. Foi um dos jogadores-chave do título conquistado um ano depois.

Foi chamado à seleção pela primeira vez quando tinha 19 anos e começaram a surgir propostas de grandes clubes. Falou-se no Real Madrid, no Arsenal (a sua equipa de sonho), mas resistiu, até que conquistou novo título no Standard. Depois do incidente com Wasilewski decide despedir-se após vencer mais uma taça e muda-se para o Benfica.

A experiência na Liga portuguesa foi positiva, com Jorge Jesus a utilizá-lo na posição 6, um papel ao qual se ajustou perfeitamente. Era ele que ditava o ritmo do jogo e com isso conseguiu destacar-se na Liga dos Campeões, provando que podia voltar a dar o salto. Quando Sir Alex Ferguson já o estava a seguir, Axel decide assinar pelo Zenit, que pagou 40 milhões de euros pela transferência, e na Rússia enfrenta juntamente com Hulk uma revolta dos jogadores locais, que estavam insatisfeitos com a disparidade dos salários dos novos reforços. As críticas são silenciadas com as boas exibições do médio, que se tornou um dos motores da equipa.

Aos 25 anos, Witsel é um jogador respeitado na seleção. Silencioso, inspirador, disciplinador e trabalhador, é um dos cinco intocáveis no onze titular. Tem todas as qualidades necessárias no futebol moderno: carisma, força, técnica, visão, excelente passe e raramente perde uma bola. Wilmots resume: «Ele é o meu patrão em campo. Entendemo-nos só com um olhar».

Witsel admira Maradona e Zidane, os seus grandes ídolos. Tal como eles, gostaria de brilhar no Campeonato do Mundo e sabe que tem de o fazer. O Zenit não o vai vender a preço de saldo e pedirá pelo menos o dinheiro que investiu nele, o que faz com que só as grandes equipas tenham capacidade para contratá-lo. Enquanto ninguém o vai buscar, Witsel é como um pássaro preso numa gaiola russa, sonhando com a Premier League.