O ponto alto de uma carreira no futebol aos 38 anos. Este é o resumo da história de Sebastián Hernán Bértoli, guarda-redes do Patronato, equipa que este fim de semana garantiu o acesso à elite do futebol argentino. Um dia de festa na zona de Entre Ríos. O clube tem 101 anos de história mas nunca havia competido na I Divisão. Terá essa oportunidade em 2016.

E o herói de serviço, foi, então, Bértoli, o trintão que defende as redes do clube desde 1994. São mais de 20 anos à espera de um dia como este. Aliás, em 2012, numa entrevista ao jornal «El Diario», perguntaram-lhe onde se via em cinco anos. A resposta é a prova do sonho que vive: « O objetivo que me falta cumprir é subir à Primeira Divisão com este clube e oxalá consiga em menos tempo». Precisou de três.

Nunca defendeu outro emblema na carreira e é, portanto, um símbolo dentro e fora do campo. Daqueles casos raros nos tempos que correm, de homens que se confundem com o próprio clube. Um Totti das balizas.

No último domingo, voltou a entrar em campo para o jogo mais emotivo da sua carreira. A final do playoff de acesso à I Liga, com o Ramón Santamarina de Tandil, só ficou decidida nos penáltis. O jogo tinha terminado 2-0, favorável ao Patronato. Precisamente o mesmo resultado, mas ao contrário, que se tinha verificado na primeira mão. No desempate, Bértoli fez a sua parte. A dobrar.

Marcou um e parou outro. A única das doze tentativas que não beijou as redes morreu-lhe nas mãos.



2016: um ano dividido entre a Liga e a Autarquia

Para Bértoli foi, então, o consumar de um sonho, numa semana daquelas que marcam a vida de qualquer pessoa. Afinal, escassos dias antes do jogo da festa, tinha sido investido como vereador da Câmara Municipal do Paraná, capital da província de Entre Ríos.

Curiosamente, foi eleito pelo partido Peronista, de esquerda, mesmo sendo filiado no partido Radical, de direita. Algo que, de resto, contesta: «Nunca fui militante, não podem ver-me como membro dos Radicais. A minha mãe é que me filiou simbolicamente quando eu era jovem. Só quero ajudar a minha cidade.»

O próximo ano será exigente para Bértoni. Além de futebolista de Primeira aos 38 anos, será político ativo. Promete tentar conciliar. Porque desistir do futebol não está nos planos. De todo.

«Quero dizer com orgulho que jogarei na I Divisão depois de ter trabalhado como taxista», afirmou no final do jogo de domingo.



«Antes do dinheiro, penso na felicidade»

Ao longo da carreira, Bértoni recebeu várias vezes propostas para mudar de ares, mas manteve-se sempre fiel ao Patronato. Na mesma entrevista de 2012, explicou os motivos.

«A verdade é que antes do dinheiro, penso na felicidade. E sou feliz aqui. Agradeço o reconhecimento dos dirigentes. Tive propostas bem melhores financeiramente mas sou feliz aqui. Nasci aqui, tenho os meus amigos e família cá. Como se costuma dizer, o dinheiro não traz felicidade», afirmou, na altura.

Ganhou estatuto e é hoje, naturalmente, capitão e líder do grupo. Um braço do treinador dentro do campo. E, à boa imagem de vários guarda-redes sul-americanos, um aventureiro no ataque. Pelo menos na hora de marcar penáltis.

Não foi apenas no desempate de domingo que tentou. Terminou a época como guarda-redes menos batido da II Divisão, é certo, mas também com seis golos marcados no currículo. Todos da marca dos onze metros. Não falhou um.

No balneário, este adepto assumido do River Plate, é um bem-disposto. O cantor do grupo, como os colegas definem. Em casa é um homem tranquilo, que tem a pesca como passatempo de eleição. No campo, é um líder consciente.

Os argentinos costumam recordar uma frase sua sobre os podres que, infelizmente, infestam o futebol em todo o lado: «O jogador é aquilo que há de mais são no futebol».

Inspirador, não?