Maldini no início e no fim. Cesare Maldini, o homem que levantou a primeira Taça dos Campeões Europeus de um clube italiano e esteve também na génese da geração que daria ao país o seu último título internacional, no campeonato do mundo da Alemanha em 2006, faleceu este domingo mas o seu legado, como em todos os casos em que a obra extravasa o homem, permanecerá.

Sobretudo enquanto a Itália tiver de olhar para a geração que venceu o Mundial 2006 como a última grande conquista, o nome de Cesare Maldini será recordado. Não foi ele que teve a honra de conduzir aquela seleção à glória, mas, vinte anos antes, começava a lançar as sementes que resultariam nessa conquista.

Mas recuemos ainda mais no tempo. Em 1982 a Itália foi campeã do mundo. O terceiro título da sua história e o primeiro fora da década de 30. Maldini era adjunto de Enzo Bearzot e assistiu bem de perto a uma conquista que poucos adivinhariam no início da competição.

Talvez a provar a surpresa que foi a vitória italiana, a fase de apuramento para a fase final seguinte, o Europeu de 1984, foi trágica. Tão má (uma vitória em oito jogos) que é, ainda hoje, a pior prestação de sempre de um campeão do mundo numa fase de apuramento.

Ora, numa altura em que o campeonato italiano se começava a afirmar como o mais forte da Europa, era necessário construir uma seleção à altura e apagar a má imagem da caminhada para o Europeu de França, além de uma defesa do título mundial que terminou nos oitavos de final, no México

Havia que trabalhar a partir da base e o homem escolhido para lançar essa reconstrução foi Cesare Maldini. Em 1986 assumiu o comando da seleção sub-21, cargo que manteve ao longo de uma década. Pelas suas mãos passaram quase todos os principais atores do futebol italiano do final dos anos 90 e início do novo milénio.

Maldini conquistou três títulos europeus consecutivos na categoria, algo que ainda hoje é recorde. Venceu a Suécia em 1992, a Espanha em 1996 e, pelo meio, Portugal em 1994. Pontificavam nessa equipa nomes como Christian Vieri, Francesco Toldo ou Pippo Inzaghi.

A rede de gerações que Maldini ajudou a criar viria a estender-se até dez anos mais tarde, quando a Itália voltou a tocar o topo do mundo e chegou ao tetra, na Alemanha, batendo a França nos penáltis. A mesma França que eliminara a Itália de Maldini em 98, na única experiência à frente da seleção principal.

Foi Marcello Lippi o homem que escreveu o seu nome no livro de história mas ainda havia alguns «meninos» de Maldini no grupo que venceu o título. Fabio Cannavaro, o homem que ergueu a Taça e viria a ganhar a Bola de Ouro nesse ano de 2006. Mas também Gianluigi Buffon, Alessandro Nesta, Francesco Totti e novamente Inzaghi.

Já lá não estava, contudo, o apelido Maldini. Nem de Cesare, nem de Paolo, o filho, que capitaneou a «squadra azzurra» apenas até ao Mundial 2002, mesmo tendo jogado profissionalmente ainda mais sete anos.

Mas a semente tinha, também, esse apelido.

A primeira festa italiana na Europa do futebol

Décadas antes, porém, Cesare Maldini já tinha sido um pioneiro em Itália. No caso, a erguer títulos europeus. Em 1963, o AC Milan venceu a sua primeira Taça dos Campeões Europeus, tornando-se a primeira equipa italiana a fazê-lo e, ao mesmo tempo, a primeira equipa de fora da Península Ibérica.

Antes, apenas Real Madrid, por cinco vezes, e Benfica, por duas, tinham levado a Taça para casa. A final foi, precisamente, frente ao clube da Luz, no mítico Estádio do Wembley. Foi a primeira da série de finais europeias perdidas pelo Benfica que vigora até aos dias de hoje.

Maldini era o capitão do Milan e tinha a missão de vigiar Eusébio em campo, mas a grande figura do jogo foi Altafini, que marcou os dois golos italianos, anulando o tento inaugural do Pantera Negra.

O Benfica falhava o tri e Maldini levantava a Taça, a única da carreira. O seu filho, Paolo, chegou às cinco…Feitas as contas, das sete Taças dos Campeões ganhas pelo emblema italiano, apenas numa, em 1968/69, não havia um Maldini a festejar.

 

Goodbye dear Cesare. Today the world loses a great man and we lose a page of our history. You will be missed.Addio...

Publicado por A.C. Milan em  Domingo, 3 de Abril de 2016

A verdade é que a carreira como futebolista do filho Paolo superou a do pai Cesare, embora a ambos tenha faltado um título com a seleção. O pai esteve no Mundial 62, mas a Itália não foi além da primeira fase. Ainda assim, foi incluído no onze ideal da competição, o que também atesta a sua qualidade.

As críticas pelo estilo defensivo

Cesare Maldini jogou futebol entre 1952 e 1967, sendo que em doze desses anos representou o Milan, o seu clube de sempre e aquele que, ainda hoje, todos lhe associam. A partir de 1970 iniciou, então, a carreira de treinador que não lhe deu tantos títulos como a de jogador mas que o notabilizou ainda mais.

Começou no seu Milan de sempre, primeiro durante duas épocas como adjunto, depois outras duas como técnico principal, onde conseguiu conquistar uma Taça das Taças. Passou pelo Foggia, Ternana e Parma e em 1980 entrou na Federação italiana, para o trabalho já referido.

Em 1998, quando deixou a estrutura federativa depois do Mundial de França os motivos apresentados foram as críticas que abundavam ao seu estilo de jogo, considerado demasiado defensivo até para os padrões italianos.

Cesare Maldini nunca se mostrou incomodado. Pelo contrário. Sempre assumiu que vencer era o principal objetivo, custe o que custasse. «Numa eliminatória, marcar mais um golo do que o adversário é mais do que o suficiente», chegou a dizer.

A carreira como técnico terminaria quatro anos mais tarde, após novo Mundial, desta feita ao serviço do Paraguai. Passou a fase de grupos, mas caiu nos oitavos de final aos pés da futura vice-campeã Alemanha, com um golo a dois minutos do fim.

Desde aí, Maldini trabalhou algum tempo no departamento de scouting do Milan e, sobretudo, como comentador televisivo. Assistiu ao final da carreira do filho, que se tornou, também, uma lenda do futebol italiano e do Milan.

Fica por aqui? Há dois Maldini, Christian, de 19 anos, e Daniel, de 14, na forja. A camisola número 3, posta de parte desde o abandono de Paolo só volta ao ativo para um deles. Agora, com a estrela do avô Cesare a iluminar.