O jornal Marca titulava que «morreu a voz inesquecível do futebol espanhol», o que é uma maneira feliz de colocar as coisas. Michael Robinson nasceu em Leicester, Inglaterra, foi internacional irlandês, jogou no grande Liverpool do início dos anos oitenta, mas foi em Espanha que se tornou verdadeiramente uma lenda. Apaixonou-se pelo país e fez o país apaixonar-se por ele.

Quando chegou em janeiro de 1988 pouco conhecia de Espanha. «Sabia dizer as palavras essenciais: bom dia, boa noite, cerveja», contou um dia.

Contratado pelo Osasuna para evitar a descida de divisão, diz que foi ao mapa procurar a cidade de Osasuna e não encontrou nada. Ficou preocupado. Só dias depois, quando regressava a casa de um treino, é que descobriu que Osasuna era o nome do clube mais representativo de Pamplona.

«Voltava do primeiro treino e a minha esposa perguntou-me como eu a via as coisas. ‘Descemos de certeza. Esta equipa não a salvava nem o Homem-Aranha, não precisavam de ir buscar um avançado ao Liverpool’. Depois perguntei-lhe: ‘E Osasuna que tal?’ e ela respondeu ‘Osasuna não existe, é a equipa de Pamplona’. Ah, Hemingway!», recordou.

O Osasuna estava em penúltimo lugar e Robinson não esqueceu a estreia. «No primeiro jogo vi que todos os jogadores tinham o hábito de rezar antes de subir ao relvado. Disse ao meu pai que as minhas suspeitas se confirmavam: éramos tão maus que tínhamos que rezar antes de jogar.»

O que é certo é que Robinson fez sete golos em 22 jogos e o Osasuna acabou por evitar a descida. Na época seguinte ajudou o clube a chegar a um histórico quinto lugar. Depois veio o pior: as lesões nos joelhos, que ditaram o fim prematuro da carreira. Pendurou as botas com apenas 30 anos: longe de imaginar era que o melhor ainda estava para vir.

Poucos meses depois de encerrar a carreira foi convidado para comentar os jogos da Liga Inglesa na RTE. O impacto em Espanha foi tão grande que pouco tempo depois Robinson estava a comentar o Mundial 90. A partir daí não mais parou. Fez o El Larguero, da Cadena Ser, e apresentou o El Dia Después, do Canal+, durante quinze anos, o que o tornou amplamente popular.

Quando o El Dia Después – uma espécie de Domingo Desportivo – acabou, Robinson confessou que sentiu uma dor só comparável ao dia em que deixou de jogar futebol.

Por essa altura já o país estava conquistado. Michael Robinson tinha um sotaque inimitável, um espanhol macarrónico e um humor inteligente. Era um senhor engraçado, simpático, quase ternurento. Para além disso tinha um grande conhecimento do jogo e um estilo didático.

«Apaixonei-me por Espanha porque rimos e choramos com as mesmas coisas», justificou Robinson, ele que, depois de o El Dia Después acabar, começou um outro programa de culto: o multipremiado Informe Robinson. Um programa de reportagem que entrava em casa, e na vida, das maiores estrelas do desporto espanhol.

Xavi, Iniesta, Del Bosque, Casillas, Rafa Nadal, ninguém dizia que não a Michael Robinson, que com sensibilidade e bom senso deu a conhecer a intimidade dos craques.

Para trás deixou Inglaterra, mas nunca deixou o futebol inglês, que o apaixonava tremendamente. Adepto do Liverpool desde sempre, diz que se habituou aos seis anos a dormir mal à sexta-feira, na expetativa de conseguir arranjar um bilhete para entrar em Anfield Road no dia a seguir.

«O tiki-taka mal jogado – sem a excelência que alcançou com o Barcelona, digamos que o tiki-taka num dia mau do Barça – esvaziaria os estádios ingleses: ‘Nós não viemos ver meninos a jogar à bola, eu quero ver um pouco de sangue», explicou.

Jogou em clubes como o Preston North End, o Manchester City e o Brighton, antes de ser contratado pelo Liverpool em 1983. Em Anfield Road viveu o sonho de uma vida.

«Disseram-me que o Liverpool me queria e que tinha de ir falar com Sir Johns, que era o diretor de futebol do clube. Quando cheguei, ele perguntou-me: ‘Quanto dinheiro queres?’ A minha resposta foi clara: ‘Eu é que devia pagar para jogar aqui’. Acabaram por me dar um pouco mais do que eu queria, e que já era muito. Nessa altura acabei por um tornar um tipo muito popular no balneário, porque por minha causa aumentaram o salário a todos.»

No Liverpool nunca foi titular, acabando como suplente de Ian Rush e Kenny Dalghish, mas ainda fez golos importantes e viveu a época mais relevante: a época em que o clube ganhou a Liga, a Taça Inglesa e a Taça dos Campeões Europeus... que Michael Robinson perdeu no aeroporto.

«Passámos a noite em Roma e assumíamos à vez a responsabilidade por guardar a taça. Quando saímos do hotel ficou comigo. Estávamos a ir para a sala de embarque e vi no duty-free a marca de tabaco que minha mãe fumava. Pousei a taça, peguei num volume de tabaco e fui para o avião. Quando cheguei ao avião, Graeme Souness, o capitão, perguntou-me: ‘E a taça?’ Fiz o sprint mais rápido da minha vida. Imaginem chegar ao aeroporto de Liverpool sem taça...»

Michael Robinson morreu esta terça-feira, vítima de um cancro que nunca lhe tirou a alegria de viver. Até ao último dia, até ao último segundo.

«Tenho uma teoria, um tanto filosófica: o cancro, espero que mais tarde do que cedo, tem uma oportunidade e pode matar-me uma vez. Mas não o fará todos os dias.»