A 'World Cup Experts Network' reúne órgãos de comunicação social de vários pontos do planeta para lhe apresentar a melhor informação sobre as 32 seleções que vão disputar o Campeonato do Mundo. O Maisfutebol representa Portugal nesta iniciativa do prestigiado jornal Guardian. Leia os perfis completos das seleções que participarão no torneio:

Autores dos textos: Valentin Driessen e Bart Vliestra
Parceiro oficial na Holanda: De Telegraaf
Revisão: Berta Rodrigues


A Holanda vai jogar no Brasil num sistema de 5x3x2. Louis Van Gaal, um admirador do grande treinador holandês Rinus Michels, sente-se impelido a fazer experiências táticas e tende fortemente para um novo sistema. Isso significa que a Holanda não vai jogar no habitual 4x3x3 com um ou dois médios ofensivos. Nem na versão ofensiva do clássico 3x4x3 holandês, que valeu duas presenças na final do Campeonato do Mundo, em 1974 e 1978.

Louis Van Gaal seguiu sempre o 4x3x3, na qualificação para o Mundial e nos particulares. Mas desde o particular com a França perdeu o médio Kevin Strootman.

O jogador da Roma encarregava-se de equilibrar o meio-campo de três homens da Holanda com as suas qualidades defensivas e ofensivas. Sem ele e sem um substituto adequado (palavras de Van Gaal), o treinador viu-se forçado a experimentar alternativas e optará quase garantidamente pelo sistema de 5x3x2, que poderá facilmente transformar-se num 3x5x2, uma variante ofensiva mais adequada ao estilo holandês.

O sistema foi usado, por exemplo, pelo Feyenoord nos últimos oito jogos do campeonato holandês. A equipa treinada pelo antigo internacional holandês Ronald Koeman ganhou sete jogos de seguida, com 20 golos marcados e apenas dois sofridos, numa série que lhe garantiu um dos lugares de qualificação para a Liga dos Campeões.

A Juventus também usa o 5x3x2, mas enquanto os italianos optam por um playmaker (Andrea Pirlo) à frente da defesa, a Holanda vai escolher dois jogadores defensivos (Nigel de Jong e Jordy Clasie), com um criativo (Wesley Sneijder) à frente.

A seleção holandesa tem internacionais que se adequam bem a um sistema de 5x3x2. Quando joga com uma defesa de quatro, todos os defesas – o lateral-direito Daryl Janmaat, dois defesas-centrais de um lote que inclui Ron Vlaar, Stefan de Vrij, Joel Veltman, Bruno Martins Indi e Terence Kongolo, e o lateral-esquerdo Daley Blind – parecem vulneráveis.

Com os três centrais – De Vrij ou Joel Veltman na direita, Vlaar no meio e Martins Indi ou Kongolo na esquerda – os espaços entre eles são mais curtos e têm a cobertura complementar dos laterais Janmaat e Blind. Eles são os dois responsáveis por correr no novo sistema e também têm responsabilidades atacantes significativas. A capacidade ofensiva em 5x3x2 é mais surpreendente e tem muito mais variáveis.

À frente dos cinco defesas há um bloco com dois médios defensivos, Nigel de Jong e Jordy Claisie, encarregues sobretudo de preservar o equilíbrio e apoiar defensivamente, permitindo aos laterais atacar. E de apoiar o terceiro médio, mais ofensivo, que deverá ser Wesley Sneijder. A alternativa era van der Vaart, mas o médio do Hamburgo ficou excluído da lista final depois de se ter lesionado no estágio da Holanda em Portugal. O playmaker será o ponto fulcral de posse de bola e a principal fonte de alimentação dos dois avançados, Robin van Persie e Arjen Robben.

O capitão (que é van Persie) e o vice-capitão beneficiarão com o novo sistema porque terão todo o espaço e liberdade que querem. O resto da equipa joga para alimentar a dupla que tantas vezes mostrou fazer a diferença em jogos ao mais alto nível. Num sistema de 4x3x3 eles têm muitas vezes espaços limitados, mas agora todas as linhas de jogo estão abertas para as duas estrelas holandesas.

Toda a desvantagem tem a sua vantagem, diria Johan Cruijff. A perda de Strootman dá a Van Gaal liberdade para mudar a tática, sem muito debate, do 4x3x3 original da Holanda para um mais italiano ou sul-americano 5x3x2, que dá aos seus dois melhores jogadores mais espaço para decidirem. É um sistema previsível defensivamente, mas imprevisível ofensivamente. A Holanda espera que funcione, porque vai precisar de toda a sua qualidade individual frente a adversários do calibre da Espanha ou Chile na fase de grupos.

Se o 5x3x2 não pegar, Van Gaal pode voltar ao 4x3x3, o que significaria que um jogador como Sneijder não jogará muito no Brasil. A opinião de Van Gaal é que Sneijder não faz o suficiente em termos defensivos quando não tem a bola, o que torna a equipa vulnerável. Com um sistema de 5x3x2 ele pode contornar esse problema.

Que jogador pode surpreender no Campeonato do Mundo?
Daryl Janmaat. Depois de um arranque difícil ele evoluiu e tornou-se um lateral-direito muito ofensivo, com boa resistência, foco e muito bom cruzamento. Há quem lhe chame o Dani Alves holandês.

E que jogador pode ser uma desilusão?
O Ron Vlaar não teve a melhor época no Aston Villa mas é o único defesa-central holandês que jogou regularmente pelo clube ao longo da época numa liga de topo, e o único com experiência em fases finais. Um bode expiatório fácil quando as coisas correm mal defensivamente.

Qual é a expectativa realista para a seleção no Mundial?
Oitavos de final. A Holanda pode passar a fase de grupos atrás da Espanha, mas desta vez o Brasil não vai deixar de arrumar o assunto (como fez em 2010).



Curiosidades e segredos da seleção

Jermain Lens
O tio do avançado do Dínamo Kiev é Sigi Lens, antigo jogador de futebol que foi um dos 11 sobreviventes do trágico acidente de aviação no Suriname em 1989 que matou 176 pessoas, entre as quais um grupo de futebolistas com raízes na antiga colónia holandesa que viajavam para um jogo particular. Sigi Lens não pôde voltar a jogar futebol depois do acidente, por causa de problemas numa anca causados pelos ferimentos e tornou-se um conhecido empresário de jogadores (entre os quais Patrick Kluivert, Clarence Seedorf, Edgar Davids, Winston Bogarde e Michael Reiziger). Não quer representar o sobrinho, no entanto, porque diz que quer manter a vida privada e os negócios separados. Jermain é um amante de motos e uma vez foi apanhado a conduzir sem carta.

Daley Blind
O pai desta estrela em ascensão do Ajax é Danny Blind, o antigo capitão do Ajax que ganhou a Liga dos Campeões em 1995. Blind pai é agora o braço-direito de Van Gaal e será provavelmente o selecionador a partir de 2016, depois de Guus Hiddink, que substituirá Van Gaal a seguir ao Campeonato do Mundo. Na grande «guerra civil» do Ajax, há três anos, Blind escolheu o lado de Van Gaal, que lutou contra o ícone do clube de Amesterdão Johan Cruijff pelo controlo do clube. Van Gaal e Blind tiveram de sair e alguns adeptos também quiseram que saísse Daley, que fez toda a formação no Ajax e foi tentado por Thierry Henry a mudar-se para o Arsenal quando tinha 16 anos. Agora é um membro muito respeitado da equipa principal.

Leroy Fer
Quando o médio do Norwich City trocou o clube onde se formou, o Feyenoord, pelo FC Twente, no verão de 2011, recebeu um cartão de luto enviado por um adepto do Feyenoord. Mais tarde o enorme médio acreditou que ia para o Everton, mas o negócio foi tornado público demasiado cedo por um amigo do presidente do Twente. Acabou por ser cancelado, oficialmente por motivos médicos. O jogador que tem por alcunha «Porteiro» comprou uma vez um cavalo à namorada, mas percebeu rapidamente que não podiam mantê-lo no seu apartamento, por isso apressou-se a vendê-lo.

Klaas-Jan Huntelaar
O avançado do Schalke gosta de passar as férias com os dois irmãos nas florestas da Escandinávia, tentando sobreviver ao estilo de Bear Grylls. Quando a «Oranje» visitou a Austrália para um particular, Huntelaar foi o único que subiu a ponte de Sydney, uma escalada que levou mais de três horas. Lê literatura holandesa pesada e e tem a sua própria fundação, que desafia clubes amadores a cuidarem da natureza. O pai dele, Dirk-Jan – a sua inspiração e também o motor da fundação – enganou uma vez uma equipa de televisão holandesa que andava à procura da família do jogador, confirmando que «conhecia o Klaas-Jan e os pais, que viviam ali perto», e também que Klaas-Jan «aparecia muitas vezes» para jogar à bola com os filhos dele.

Jasper Cillessen
Chamam-lhe «o JC de Groesbeek» (JC é Johan Cruijff em futebolês da Holanda), o nome da cidade onde cresceu. Os pais seguem-no para todo o lado e viajaram para o outro lado do mundo quando ele foi escolhido como terceiro guarda-redes para uma viagem à América do Sul, há três anos. Quando se ouviu o hino nacional Ton e Cellie Cillessen tinham lágrimas nos olhos e tremiam, embora o seu filho estivesse no banco e tivesse poucas hipóteses de entrar em campo. Quando Cillessen se desloca de casa para o centro de treinos do Ajax, uma viagem de cerca de sete minutos, telefona à mãe. Depois do treino telefona-lhe outra vez e diz-lhe como foi. Ela coleciona todas as fotos dele e, quando não encontrou nenhuma da viagem da seleção à Ásia há um ano, tirou uma fotografia da televisão e pendurou-a. Jasper agradece-lhes o envolvimento: «Se não me apoiassem tanto nunca teria chegado tão longe.»

Memphis Depay
Não lhe chamem Depay, chamem-lhe Memphis. Tem Memphis escrito na camisola e é o seu nome no rap e no futebol. Depay é o apelido do pai, que o deixou, a ele e à mãe, quando tinha quatro anos. Tiveram de sobreviver sozinhos, com muito pouco dinheiro. Memphis adora futebol e rap. O antigo treinador dele, Fred Rutten, exigiu-lhe que escolhesse e, felizmente para o PSV e para a seleção da Holanda, ele escolheu o futebol. Nos tempos que correm Memphis é sempre o último a deixar o campo de treino. Tem tatuagens por todo o lado (até no lábio), excelente condição física e e é tenazmente determinado: diz que a sua ambição é tornar-se o mais rapidamente possível tão bom como Arjen Robben, Cristiano Ronaldo e Eden Hazard. Ronald Koeman diz que ele se comporta como se tivesse ganho dez Taças dos Campeões Europeus e Kenneth Perez chamou-lhe «lunático». A resposta de Memphis? «Não me conhecem.» Gosta de Van Gaal e diz porquê: «Está sempre em cima de mim. E eu preciso disso.» O melhor amigo dele é um Chow Chow peludo chamado Simba.

Perfil de uma figura da seleção: Bruno Martins Indi



Mesmo treinadores severos como Ronald Koeman ou Louis Van Gaal não conseguem deixar de rir quando vêm Bruno Martins Indi chegar ao relvado para o treino. O grande e arrojado defesa de olhar intenso em campo corre como um cachorro para o seu antigo treinador da formação, Co Adriaanse, gritando «Tio Corrie, Tio Corrie, deixa-me abraçar-te!»

Martins Indi, que nasceu perto de Lisboa de mãe portuguesa e pai guineense e foi viver ainda muito novo para Roterdão, até foi «abençoado» com a rara expressão «Adoro-te, Bruno.» Rara porque saiu da boca muito crítica do próprio Van Gaal.

«Acho que me entendo muito bem com Van Gaal. Mas não é por lhe puxar o saco, a sério!», disse Bruno numa entrevista em que fez lembrar muitas vezes um miúdo de 10 anos espevitado, mais do que um futebolista profissional de 22 anos.

O salto para os braços do «mister Van Gaal» depois de um importante golo durante a campanha holandesa de qualificação para o Mundial foi «completamente espontâneo», embora tenha assustado um pouco Van Gaal, que tinha acabado de ser operado à anca.

«BMI» adora entreter. Quando Mario Balotelli fez o famoso número como-é-que-dispo-o-colete-de-treino, Martins Indi passou o dia seguinte a fazer uma imitação perfeita da cena no centro de treinos do Feyenoord.

A vida nem sempre foi assim tão divertida para o bem constituído defesa esquerdino que prefere jogar a defesa-central. Na Holanda, em criança, estava essencialmente entregue a si próprio, a tentar fazer o seu caminho em Slinge, o bairro de Roterdão com a mais elevada taxa de criminalidade. Não foi fácil, mas ele não quer falar disso, afastando o assunto com um sorriso: «Talvez te fale disso mais tarde, amigo. Posso escrever um livro sobre isso. E não é um livro feliz. Mas agora tenho de manter o meu foco.»

A sua vida na juventude precisava desesperadamente de estrutura. O Feyenoord ajudou-o com isso, preenchendo questionários, arranjando-lhe um teto decente para morar e candidatando-o a um passaporte holandês a tempo de poder estrear-se pelas camadas jovens da seleção holandesa. Rapidamente o adolescente que jogava como avançado no seu clube amador, o Spartaan 20, estava a começar a transformar-se num defesa temerário.

Várias vezes fez horas-extra a treinar com Adriaanse, muito depois de os companheiros já terem ido para casa, e tentou organizar a vida assentando os planos para o dia seguinte numa agenda. Mais tarde também começou a escrever os seus pensamentos e a colecionar provérbios e ditados. O seu favorito é: «Que o melhor de hoje seja o pior de amanhã.» Diz algo sobre o seu espírito ambicioso. 
 
Foi pai com apenas 19 anos, deixando a vida noturna e as ruas para trás e cumprindo o seu sonho: ser «uma pessoa normal com um terraço e uma garagem».

No entanto, tem sido difícil para Martins Indi conseguir uma série consistente de jogos seguidos. Na seleção tem toda a confiança que podia desejar por parte de Van Gaal, com o treinador a colocá-lo em campo em quase todos os jogos como defesa-central. Mas no Feyenoord ele alterna entre a lateral-esquerda, o centro da defesa e o banco, embora vários clubes, incluindo o Milan e o Everton, tenham mostrado interesse sério em contar com a sua versatilidade.

A melhor exibição dele foi talvez frente ao Dínamo Kiev na qualificação para a Liga dos Campeões, há dois anos. Depois desse jogo Van Gaal selecionou-o imediatamente para a estreia da Holanda na campanha para o Rio, mesmo sem ter estado com ele antes do jogo.

Na concentração o jovem jogador não hesitou quando conversou com a lenda do futebol holandês. «Gostava muito de melhorar», disse num tom muito sério. «Tenho muita coisa para lhe perguntar, mister Van Gaal.»

«Eu já te adoro, Bruno», foi a resposta. E o selecionador parece disposto a manter acesa a chama do caso amoroso até ao jogo de estreia no Brasil, a repetição da final de 2010 frente à campeã em título Espanha.