A morte de Piermario Morosini foi o pináculo trágico de uma vida triste. Triste, negra, duríssima. Uma vida enlutada na dor pela perda das pessoas que lhe eram mais próximas. Mãe, pai e irmão, todos faleceram na última década.

Aos 15 anos, no auge da adolescência, Piermario Morosini perdeu a mãe, Camilla. Dois anos mais tarde, ainda mal refeito, teve de suportar a morte do pai, Aldo, o seu melhor amigo. Poucos meses depois, o irmão mais novo suicidou-se. Era deficiente motor e dependia diretamente de Piermario.

Perante tamanha privação, o mais natural seria que a revolta e a fúria se apoderassem do futebolista. Não. Piermario Morosini passou a tomar conta da irmã, também ela fisicamente incapacitada, e fez do futebol a sua tábua de salvação.

Encontrou a luz onde só havia treva, encontrou uma saída num labirinto de desilusões.

Em 2005, numa das raras entrevistas concedidas, o atleta abriu a alma. «Estas coisas mudaram a minha vida e deixaram-me zangado, claro. Ao mesmo tempo deram-me a motivação para alcançar aquele que era o sonho dos meus pais: ver-me feliz no futebol.»

Morosini (Livorno) morre após desfalecer em campo

Luís Vidigal e Vasco Faísca cruzaram os seus caminhos com os de Piermario Morosini. Na época 2005/06, Vidigal partilhou o balneário da Udinese com o malogrado jogador. Recorda ao Maisfutebol «um menino com um coração de ouro».

«Foi a nossa primeira época na Liga dos Campeões. O plantel tinha atletas muito experientes e um conjunto de jovens talentosos. O Piermario fazia parte deste último lote», conta Vidigal, ainda emocionado com a violência da notícia recebida no sábado.

«Ele chamou-me logo a atenção por ser extremamente reservado, muito maduro e algo triste. Não era normal ver um jovem de 20 anos assim. Quis saber o que se passava com ele e contaram-me o que se passava. Era uma história muito triste», sublinha o antigo internacional português.

Vasco Faísca viria a conhecer Morosini quatro épocas depois, no Pádova. «Privei seis meses com ele. Nestas alturas é habitual dizermos coisas bonitas mas, muito sinceramente, a minha impressão dele não podia ser melhor: grande profissional, bom coração, muito simples e sempre reservado.»

«Se há mortes injustas, esta é uma destas», acrescenta o defesa central do Ascoli.

Luís Vidigal: «O Morosini ficou no meu coração»

As conversas de Vidigal e Morosini versavam sobre o futebol. Ambos discutiam um lugar na posição seis. «Ele era muito educado. Tentei ajudá-lo a melhorar, acima de tudo. Era um miúdo espetacular e ficou no meu coração», desabafa Luís Vidigal.

À hora em que Morosini morreu, Vasco Faísca jogava pelo Ascoli em Cittadella. «Ao intervalo disseram-nos que o jogo em Pescara tinha sido suspenso. Depois, já no fim, vieram contar-me que o Piermario tinha ido para o hospital. Fiquei angustiado, a rezar por ele. Era um lutador, mas não teve forças para esta última batalha.»

Itália não fala de outra coisa, explica Vasco Faísca. «É o mesmo que em Portugal após o falecimento do Miki Fehèr. A federação fez bem em cancelar os campeonatos. Porquê tantas mortes destas? Ainda há pouco tempo foi um jogador de voleibol ( Vigor Bovolenta).»

A ironia é macabra. Luís Vidigal dá mais uma informação desoladora, antes de se despedir.

«A equipa do Pescara, adversária do Livorno e do Morosini no sábado, passou pelo mesmo há duas semanas. O treinador de guarda-redes, Franco Mancini, foi encontrado morto em casa. Teve um ataque cardíaco. Curiosamente, foi meu companheiro de equipa no Nápoles.»