PLAY é um espaço semanal de partilha, sugestão e crítica. O futebol espelhado no cinema, na música, na literatura. Outros mundos, o mesmo ponto de partida. Ideias soltas, filmes e livros que foram perdendo a vez na fila de espera. PLAY.

SLOW MOTION:

«NO MEIO DO CAMPO HAVIA UMA ÁRVORE». A raiz do jogo era uma árvore. Lá, no campo do Brás, em São Paulo, a bola não estranhava o tronco e os ramos. Faziam parte do jogo. Eram a junção de um zagueiro pés de tijolo e um volante de rijidez ortopédica.

«Aproveitávamos para nos esconder atrás dela e roubar a bola. Às vezes até servia de tabela». A confissão derrama nostalgia. Alemão, lateral aposentado, era só um entre centenas. Futebolistas amadores, apaixonados pelo futebol e capazes de tudo para tornear um pequeno contratempo.

Sim, havia uma árvore, de dimensões generosas, no meio do campo. E qual é o problema? Nenhum. «Ficámos sem sítio para jogar e descobrimos aquele espaço. A prefeitura não nos deixou tirar a árvore. Ao segundo fim-de-semana a árvore já fazia parte da equipa».

A história chegou aos ouvidos do fotógrafo Alexandre Battibugli: todos os domingos, religiosamente, equipas amadoras jogavam futebol num campo que tinha uma árvore. No meio! «Era uma grande história. Percebi logo isso», conta o repórter da Placar.

Não se enganou. A austeridade do campo, a bizarria do cenário, a dedicação dos protagonistas. Só podia dar uma bela reportagem. Tudo ocorreu em 1996, mas só 17 anos volvidos o documentário chega ao grande público.

Ali não havia sorrelfas de arbitragem, passes trespassados por fundos duvidosos, jogos de bastidores ou maquinações de desígnio aviltante. Era só futebol, puro: um campo pelado, jogadores amadores, uma bola.

E a árvore.



PS: «RUSH» - Ron Howard. O campeonato de 1976 da F1 é o pano de fundo para um filme extraordinário. Podem confiar nas palavras do meu colega João Tiago Figueiredo: vale a pena ler a crítica e ir a correr para a sala de cinema mais próxima. Nunca se fez nada assim na Sétima Arte. James Hunt e Niki Lauda, o rapaz playboy e o menino certinho. Chris Hemsworth e Daniel Bruhl são notáveis.

VIRAR A PÁGINA:

«FORBIDDEN FORWARD - The story of Justin Fashanu» - Nick Baker. A biografia do primeiro futebolista profissional a assumir a sua homossexualidade tem muito de shakespeariano. O drama eclode em tragédia, o mito sobrevive, a ficção e a relidade confundem-se em vários capítulos.

É uma grande história, seja como for. Filho de imigrantes africanos em Londres, órfão desde os seis anos, rapaz com um talento incomum para o futebol. Transferiu-se do Norwich para o Nottingham Forest em 1981, por um milhão de libras. Recorde absoluto, à época, para um futebolista negro.

Perdido nas próprias sombras, dúvidas e medos, Fashanu foi incapaz de confirmar as promessas de menino prodígio. A 22 de outubro de 1990, asfixiado pela mentira, deu uma entrevista em forma de desabafo. A parangona vendeu aos milhares: «Futebolista de um milhão de libras: Sou gay!»

Morreu com 37 anos, enforcado. A nota de suicídio lamentava a incompreensão dos que o rodeavam: «estou farto de causar problemas a quem amo». Um tratado sobre a homossexualidade no competitivo (e conservador?) mundo do desporto profissional.



SOUNDCHECK:

«FUTEBOL» - Chico Buarque. Nunca percebi se Buarque gosta mais de futebol ou de música. Talvez nem ele saiba. Na longa obra do brasileiro, riquíssima, os dois mundos andam quase sempre de mão dada. São componentes essenciais, um do outro. Esta composição é a homenagem ao desporto rei, cantada com um toque moleque e um ritmo de flagrante lascívia. Duas paixões, um homem só.



PS: «Amost Visible Orchestra» - Noiserv. É português, chama-se David Santos e produz um som encantatório. Melífluo e fascinante. E até há uma ode ao malogrado maratonista Francisco Lázaro neste novo álbum. Chama-se «It's easy to be a marathoner even if you are a carpenter». É uma homenagem bonita ao homem que morreu nos Jogos Olímpicos de 1912.

«PLAY» é um espaço de opinião/sugestão do jornalista Pedro Jorge da Cunha. Pode indicar-lhe outros filmes, músicas, livros e/ou peças de teatro através do e-mail pcunha@mediacapital.pt. Siga-o no Twitter.