No mês passado, a FIFA determinou a proibição de contratar jogadores cujos direitos económicos sejam de uma terceira parte que não o clube que eles representam – na denominação original, «Third-Party Ownership», abreviada por «TPO». Nesta terça-feira, o assunto foi debatido no Estoril por um advogado defensor da manutenção do atual regime e por um responsável da UEFA defendendo a proibição.

Marcos Motta entrou ao ataque na condenação da medida anunciada pelo Comité Executivo da FIFA no passado dia 19 de dezembro. O jurista brasileiro encetou a sua argumentação com um vídeo que mostrou o «onze» do Cruzeiro» no jogo em que se sagrou (bi)campeão brasileiro. Desses 11 jogadores, só dois são detidos a 100 por cento pelo clube de Belo Horizonte

«Com a aprovação da FIFA, como não teríamos o campeão de 2013 e de 2014, não teremos o campeão de 2015», apontou Motta frisando que «o Brasil não é o mundo encantado da UEFA, não é o mundo encantado da Champions League». Explicitando, o advogado deu como exemplo que «o Liverpool ganha 130 milhões de euros só com os direitos televisivos da Premier League», enquanto o maior emblema do seu país, o Flamengo, «tem 135 milhões de receitas totais». «No brasil, o maior ativo de um clube são os jogadores», acrescentou.

Marcos Motta é especialista em direito desportivo tendo já representado mais de 300 casos perante a FIFA e o Tribunal Arbitral do Desporto – entre os quais se destacam as transferências de Carlos Tevéz e Javier Mascherano em Inglaterra. Esteve também ligado a algumas das maiores transferências futebol brasileiro – como, por exemplo, a de Neymar.

David Gill entrou a defender a bondade da medida numa «perspetiva» que disse ser «global, não só para a Europa» enaltecendo o facto de o Brasil ter proibido os TPO já nesta semana. Gill resumiu que a propriedade (de jogadores) por terceira partes é «mau para a integridade dos clubes e das suas finanças. E, em suma «para este desporto».

«Não escondemos que vai haver impactos. Mas, em 15 anos, a proibição dos TPO vai dar resultados» obrigando os clubes apostar na formação e a procurar mais fontes de receitas. Mas o argumento mais forte desta ideia inicial é o de que «os principais ativos dos clubes são [mesmo] os jogadores». «Os jogadores são os motores dos clubes. Quando perdem o controlo dos jogadores, perdem o controlo do negócio», analisou o responsável da UEFA com uma conclusão: «Queremos transparência, que um clube viva pelos seus próprios meios.»

David Gill é o presidente da Associação Inglesa de Futebol e membro do Comité Executivo da UEFA presidindo ao Comité de Licenciamento e sendo vice-presidente do Comité de Competições do organismo europeu. Gill foi durante mais de uma década dirigente do Manchester United – curiosamente, também na altura do caso «Tevéz».

Visões opostas no investimento

David Gill colocou, inclusivamente, a questão dos TPO num plano ético de certo ou errado» se um jogador não puder escolher onde quer jogar porque se for o TPO a decidir isso. «A maior parte dos jogadores não poderá ter essa escolha. Os jogadores de topo de qualquer desporto tomam conta deles», mas o dirigente da UEFA apontou que «nem todos são um Cristiano Ronaldo». «Não haverá controlo», disse com o exemplo de Tevéz: O City pagou mais e os investidores não quiseram que ele ficasse no United, que era o campeão de Inglaterra.»

Mas o dirigente europeu não deixou também de frisar as transferências de Mangala para o Manchester City e Marcos Rojo para o Manchester United com os fundos de jogadores como umas das personagens centrais: «Como pode estar certo?» «As transferências estão a demorar de mais por toda esta intervenção das terceiras partes», afirmou.

«Se já fosse assim, não teríamos o At. Madrid», apontou Marcos Motta afirmando que «os jogadores jogam onde querem». «É claro que há excessos, como houve excessos na vinda de investidores para Portugal», reconheceu o advogado, mas é por isso que defende uma «proposta de regulamentação». Evitando esses excessos com «limitação da participação dos investidores» e «limitação do número de ativos dos investidores».

O advogado brasileiro condena esta «implementação a toque de caixa» da proibição do TPO, «decidida em «seis meses». Acusando a pressão da UEFA junto da FIFA – Gill disse que essa pressão existe «desde 2006 –, Motta referiu que «não vemos a UEFA levantar a voz contra Abramovich ou Peter Lim. Ou que «o patrocinador do Barcelona e do PSG é o fundo do Qatar» ou que um dos patrocinadores da Liga dos Campeões «é a Gazprom» que patrocina mais dois clubes dessa competição (Schalke 04 e Zenit).

«Não se fala em risco porque não há risco de integridade dos investidores», diz, mas não só, porque «também não risco há com os TPO». « É preciso criar o ambiente próprio ao investimento no futebol. No plano financeiro, David Gill afirmou que os TPO significam «ser detentor em parte dos clubes com dinheiro que não se sabe de onde vem» para além de «os clubes perdem o poder sobre o seu negócio». «Quem vai dar dinheiro a um clube se não controlar os seus ativos?», perguntou o responsável da UEFA.

«Não sabemos quem são essas pessoas, isso é assustador», disse o inglês: «Eu, quando falo com um presidente de um clube, sei quem está do outro lado.» Além disso, «as melhores equipas são as mais estáveis. O TPO estraga isso». Marcos Motta discorda dessa «falta de estabilidade contratual por transferências aceleradas pela intervenção do investidor». E reforçou que «não há razões para falar em escravidão» em relação ao aviso feito pelo presidente da UEFA, Michel Platini.

David Gill reforçou que os TPO são um caso de «pessoas a investir em pessoas e a controlar clubes». «Estes investidores estão a controlar o negócio. Vai demorar, mas vamos acabar com eles», garantiu o membro da UEFA.


Cinco argumentos chave de Marcos Motta:

«Se já fosse assim, não teríamos o At. Madrid.»

«O que faremos é inibir o investimento no futebol.»

«A questão da lavagem de dinheiro sempre foi levantada. Não podemos ter o controlo a 100 por cento pelo futebol. Para isso existem as autoridades.»

«O que é a MLS se não uma terceira parte, quando não está filiada na FIFA e é independente?»

«Não há necessidade de uma decisão vertical e com implementação imediata. Dá ares de ser uma decisão politica.»


Cinco argumentos chave de David Gill:

«Os clubes vão ser obrigados a apostar na formação e a promover outras fontes de receita.»

«Quando perdem o controlo dos jogadores, os clubes perdem o controlo do negócio.»

«As transferências estão a demorar de mais por toda esta intervenção das terceiras partes.»

«Os TPO são detentores em parte dos clubes, com dinheiro que não se sabe de onde vem.»

«Porquê ter a discussão de regulamentar a 25 ou a 75 por cento. Porquê darmo-nos ao trabalho? Proibimos, simplesmente.»

A revolta espanhola

Marcos Motta é jurista e apontou-nos que, para jogadores em fim de contrato, por exemplo, «o regulamento [da FIFA] deixa brechas». O resultado «pode ser a fuga dos jogadores para clubes hospedeiros como forma de contornar a proibição». Os clubes hospedeiros serão usados apenas para criar movimentações federativas sem intuito desportivo.»

O advogado insiste nas críticas à FIFA quanto ao tempo que demorou a decidir esta proibição. «Não há necessidade de uma decisão vertical e de implementação imediata», diz Motta lembrando que «a UEFA levou seis anos a implementar o licenciamento de clubes [entre 2000 e 2006]. O jurista brasileiro que faz estas críticas foi, inclusive, um dos convidados pela FIFA para (a partir de agosto) integrar o grupo de estudo do caso: «Aqui, foi decidir a proibição, a regulamentação e a implementação imediata: tudo decidido em seis meses.»

Discordante da forma como a FIFA decidiu a proibição mostrou-se também na quarta-feira Javier Tebas, o presidente da Liga Profissional espanhola. O dirigente espanhol - que foi um dos da maioria daquele grupo de estudo que deu parecer negativo à FIFA - escreveu uma carta com acusações de falta de «lealdade» do organismo que regula o futebol mundial e anunciando mesmo medidas contra decisões da FIFA.
 


Marcos Motta destacou também que «estão a entrar na esfera do direito económico», pois «é a intervenção de uma entidade de desporto na atividade de uma empresa». Há relações comerciais em causa, de trabalho também. E há ainda outras questões que não deixam de estar associadas.

«O Tribunal Arbitral do Desporto já decidiu quatro ou cinco vezes a favor dos contratos com terceiros», assinalou o advogado a respeito da instância que analisará o caso de Rojo que tem em litígio o Sporting o fundo Doyen.

Nesta altura, poder-se-á começar a fazer jurisprudência no estabelecimento de diferenças entre o controlo dos direitos económicos e desportivos. E, quando o caso envolvendo o Sporting ficar decidido, «pode ser já indicador de como vão ser as coisas nesta primeira ronda»...