«Isto está a correr bem, hoje vai mesmo ser nosso.»

No domingo em Paris tudo corria bem: desde a pouca fila para levantar os bilhetes para o Portugal-França, junto ao Parque dos Príncipes, ao lugar para estacionar junto à Torre Eiffel, à mesa na esplanada do restaurante mais procurado pelos portugueses em dia de jogo.

«A Sara Moreira venceu o ouro na meia maratona e a Jessica Augusto foi terceira.»

Faltavam oito horas para o jogo e tudo corria bem.

E, na verdade, já corria assim desde fevereiro quando a UEFA comunicou que tínhamos ganho bilhetes para a final do Europeu caso Portugal se qualificasse para o jogo que todas as seleções queriam jogar, todos os adeptos queriam ir e todos queriam ganhar.

Portugal, de empate em empate, foi garantindo a presença na final. E em França, ainda antes de chegarmos, tudo corria bem. Entre um jogo menos conseguido, oportunidades desperdiçadas, críticas de um lado e do outro, a seleção lá ia passando: de grupo, de fase em fase, até à vitória sobre o País de Gales e garantia a presença na final, 12 anos depois.

O bilhete para o jogo já estava garantido, a confiança já tinha mandado comprar também os bilhetes de avião no fim de semana anterior, para evitar preços astronómicos e escalas desnecessárias.

Vamos lá até Saint Denis, então.

O estágio faz-se sempre em local seguro, acolhedor e foi isso que aconteceu: no Bistro de Longchamp na zona do Trocadero, em Paris, no meio de muitos portugueses. Lá ia passando um francês ou outro, e o bar ao lado até jogava a favor da equipa anfitriã, mas ninguém se fazia ouvir mais do que os portugueses.

«Pouco importa, pouco importa, se jogamos bem ou mal, queremos é levar a Taça para o nosso Portugal.»

A confiança era muita, os nervos começavam a apertar e o relógio a contar. Às 21h locais começava o jogo, o espetáculo de encerramento arrancava às 20h. Toca a ir para o estádio, do Trocadero a Saint Denis devia demorar-se meia hora.

Era preciso tirar o carro do centro de Paris, para tudo continuar a correr bem, e apanhar o RER (comboio) para chegar ao estádio. Já havia tanta gente na rua, tanta confusão e todos à procura do mesmo, entre franceses e portugueses: estacionar o carro junto à estação.

Uma volta, duas voltas e um lugar à porta. Maravilha. São 17h30. Ainda há tanto tempo. Bora lá vestir a camisola, pôr o cachecol e ir até ao estádio. Uma viagem curtinha, sem grande confusão e recebidos por tantos franceses: «Estamos em minoria.»

Ok, já era previsível. «Vamos lá beber uma cerveja.» Nem um minuto à espera? Isto continua a correr bem. Está a ficar demasiado fácil. Vamos entrar, não? Vamos lá.

«A Patrícia Mamona também ganhou o ouro. Isto está tudo a correr a favor de Portugal.»

Fila para entrar? Também não. Confusão na porta L? Também não. Então vamos sentar-nos. Falta uma hora para o jogo começar, mas não faz mal… também viemos pela cerimónia de encerramento. Não foi extraordinária, nem deu para arrepiar.

Ainda assim, isto é diferente, é bonito, mas precisamos é do hino. Os portugueses em minoria no Stade de France e em cadeiras dispersas: alguns até divididos e com duas camisolas. A de França e a de Portugal.

«Como o Griezmann, que tem origens portuguesas e hoje vai perceber que devia ter-nos escolhido.»

Confiança. Essa mesmo. Não era sobranceria, não. «O Fernando Santos não disse que só ia para Portugal no dia 11 de julho e que ia ser recebido em festa?»

Está quase. Primeiro um hino, o de Portugal, depois o de França. «Ao pé do nosso, fraquinho.»

21h. E começa tudo a correr mal. Contagem decrescente no ecrã gigante, mas o árbitro não vai nessa: atrasa o pontapé de saída. E logo a seguir, José Fonte, o central que ganhámos neste Europeu e não tem títulos no currículo, erra.

Todos erram. Estava tudo errado. Minuto atrás de minuto. Portugal a pensar mal o jogo, a falhar passes. Tão nervoso. Na bancada, os nervos também se notavam. Minuto oito: Payet vai contra Cristiano Ronaldo, o capitão vai ao chão, queixa-se e recebe assistência.

«Oh não, tu não Ronaldo. Todos menos tu, Ronaldo.»

Injustos (mal sabíamos nós que todos iriam resolver menos ele). Ronaldo volta, coxeia e ao minuto 18 vai ao chão de novo, a chorar. Nas bancadas, tudo incrédulo, tudo triste. Mãos na cabeça: «Então Ronaldo?»

«Ele vai superar isto.» Ninguém mais do que ele quer jogar esta final. «Cristiano Ronaldo, Cristiano Ronaldo…» tudo a cantar e o capitão a sair acompanhado.

Regressa: «Uffa!»

Minuto 25: Ronaldo volta ao chão, atira a braçadeira de capitão e chora. Faz o que ninguém queria ver: sai de campo de maca. Uma imagem que fazia confusão certamente a muitos: «Será grave?»

«Isto nem em pesadelos!» Continuava tudo a correr mal, com Quaresma a querer vingar o amigo em campo, mas sem conseguir. Nem ele, nem os outros 10. Vá, nove: Rui Patrício lá se ia esticando e defendendo.

«Vamos ganhar isto pelo Ronaldo, ai vamos.»

Intervalo, 0-0. «Na segunda parte vai haver golos nesta baliza junto a nós. Vai tudo correr bem.»

Mais do mesmo. Um bocadinho melhor, mas mais do mesmo: nada de golos. «Que nervos!» E o árbitro inglês também não ajudava: cartões para os portugueses, nem chamadas de atenção para os franceses.

Minuto 79: «Vai entrar o Éder. É agora, é agora (com ironia).» E o Éder entra bem: há mais bola na área, um nove em campo e a vontade que o jogador do Lille, esse avançado que tanto criticámos, nos cale de uma vez por todas. «Ele disse que ia marcar no Euro.»

Minuto 90: «Está feito: isto é nosso. Foi ao poste, isto quer dizer que vamos ganhar.» O Gignac não acertou no sítio certo.

«Campeões da Europa com um golo do Éder também dá uma bela história.» E dava, mas poucos acreditavam. Ainda assim, muita fé.

Lá caminhamos nós para mais um empate e para mais um prolongamento. «Aguenta, coração. Aguenta!»

Primeiros 15 minutos e Portugal a jogar para o nosso lado: «É agora pá.»

«Portugal, Portugal; Portugal, Portugal.» A força das bancadas.

Minuto 108: Raphaël Guerreiro atira à trave. «Oh não, se calhar isto vai ser deles.»

Minuto 109: Moutinho entrega para Éder, o avançado foge a Koscielny e remata do meio da rua… «Goloooooooooooo, golooooooooooooo. Éder! Éder!»            

Explosão de alegria no relvado, na bancada e certamente em todos os cantos do mundo onde havia um português.

«Portugal, Portugal; Portugal, Portugal», um cântico simples a sair das vozes roucas e algumas a tremer acompanhadas por lágrimas. «Isto não está a acontecer, não está...»

Seis minutos para o fim do jogo. Pareceram 90 minutos. Mais dois, os de compensação. Telemóveis no ar, modo ‘gravar’ ativo e o árbitro finalmente apita: «CAMPEÕES, CAMPEÕES…..!!!»

O Stade de France quase vai ao chão. Portugueses aos saltos, aos berros, aos abraços. Bandeiras no ar. O orgulho nacional lá no alto. Lá em baixo, os 23 jogadores, o selecionador crente e staff: tudo a festejar. O Ronaldo a saltar. Todos a saltar.

Seguiram-se minutos e minutos com pele de galinha, debaixo de cânticos, choro e tanto, mas tanto orgulho: «SOMOS CAMPEÕES DA EUROPA!»

Os franceses choram, a seleção francesa sobe à tribuna. «Toma! Vingámo-nos!»

«Isto correu mesmo bem», entre um arrepio e outro. Lá sobem os Campeões da Europa à tribuna para receber as medalhas e… a Taça! «Sim, a Taça é nossa.»

«Não estou a acreditar, não estou a acreditar!»

De Taça na mão, a mostrá-la aos adeptos, lá vem Ronaldo e companhia… o momento prolongou-se no tempo e estendeu-se às famílias, que também merecem o título.

As bancadas ficam vazias e é hora de ir embora. «Vamos para casa. Correu tudo tão bem. Não vamos para a confusão.»

Na rua, tanto português e até portugueses nossos conhecidos: «Ganhámos, pá!»

«Tão bom, que sensação!»

Feita a festa, vamos lá para casa então: comboio e carro, de novo. «O vidro do carro está partido!», «Não pode ser»… e não estava: ficou aberto horas e ninguém mexeu em nada: «Isto correu mesmo bem.»

«Vamos masé para casa, amanhã há trabalho e há mais…», mas havia mais a caminho de casa. Primeiro uma paragem para comer qualquer coisa e depois a seleção, por acaso, rumo a Marcoussis. «Vai a abrir, vai a abrir… eu pago-te a multa!»

Quem é que não queria ver de perto os campeões europeus? Todos queríamos, mas já não deu.

Dormir e sonhar com esta noite histórica parecia a única solução, mas dormir não foi fácil. E o despertador tocou pouco depois, custou a acordar, mas não tínhamos sonhado: PORTUGAL É MESMO CAMPEÃO!

Sair de casa, ir até ao aeroporto de Orly e viajar para Lisboa. Regressar a casa, como os nossos heróis. À mesma hora que eles. «Queria tanto vê-los, mas já não deu.»

… (no céu, literalmente)

Chegada a Lisboa. Seleção a passear pelas ruas, a festejar e a mostrar a Taça a quem não pôde ir a França. Ponto final da festa marcado para a Alameda D. Afonso Henriques.

«Bora lá.» Ruas cheias, atrasos e a equipa a chegar: música, festa. Ronaldo e companhia ali tão perto «sí». Um mar imenso de gente, de portugueses sedentos de vitórias, orgulhosos até mais não.

Fernando Santos disse que o título era nosso, Ronaldo sublinhou que já o merecíamos há muito tempo. Conseguimos. Chamem-nos à realidade, que a realidade é boa: SOMOS CAMPEÕES DA EUROPA.

«É feriado, c…..», gritou o Éder. E devia ser, afinal hoje estávamos todos do mesmo lado e a encher as ruas da capital de Portugal. Foi bonita a festa. E correu tudo tão bem.

«Vai continuar a ser assim?» Não sabemos, mas este troféu, este momento, já ninguém nos tira. E estamos a vivê-lo acordados. Obrigada, está a ser mesmo bonito.