O relato é traçado a várias vozes. Nas décadas de 60 e 70 falar de Portugal começou, também, a ser sinónimo de falar de Eusébio. Uma forma de reconhecer de imediato o solo lusitano, quando, outrora, e já longe dos vindouros anos, não era fácil explicar o que era este famoso «cantinho à beira-mar plantado». 

«Portugal? Eusébio!». A resposta saía da boca de qualquer estrangeiro. Como hoje acontecerá com Cristiano Ronaldo ou José Mourinho, os atuais embaixadores mais ilustres de um fenómeno como o futebol, com uma pujança que já ninguém é capaz de negar.

Eusébio viveu a glória de vencer uma Taça dos Campeões Europeus com o Benfica, o maior título coletivo do seu palmarés. Com a seleção nacional não conseguiu semelhante feito. Mas logrou, quiçá, algo mais complicado: colocou Portugal no mapa do futebol.

Antes do Mundial de 1966, que mostrou ao mundo todo o potencial do avançado nascido em Moçambique, o futebol português era uma espécie de deserto com um ou outro oásis que não chegava para almejar o respeito do planeta da bola.

Aquela seleção, criada a partir da espinha dorsal do Benfica bicampeão europeu, foi o primeiro sinal de vida. A primeira página de glória de uma história futebolística que só décadas mais tarde, em 1984, no Europeu, teria mais coisas boas para contar. E que só a partir da entrada no século XXI ganhou estatuto de cliente habitual e potência emergente.

Para se ter uma ideia, Eusébio estreou-se no jogo 111 da seleção. Até lá, Portugal só tinha 31 vitórias. A carreira chegou até ao jogo 181 e permitiu 64 internacionalizações, com apenas sete ausências entre 1961 e 1971. Neste período, Portugal ganhou...33 jogos!
 
Só em 1994 a seleção nacional passou a ter saldo positivo entre o número de vitórias e desaires, mas Eusébio deu um contributo gigantesco para aproximar a marca. Pena que nos anos seguintes, até ao Euro 84, a continuidade tenha sido muito ziguezagueante.
 
Com a bênção de Peyroteo
 

O ponto de partida aconteceu em outubro de 1961, pouco depois de chegar ao Benfica. O jogo, contudo, foi de péssima memória. 

Peyroteo, o maior goleador luso pré-Eusébio, era selecionador nacional e chamou o jovem avançado para um jogo de qualificação para o Mundial do Chile de 1962 com a frágil seleção do Luxemburgo.

Portugal tinha goleado por 6-0 em março e nada fazia prever tamanho descalabro: derrota por 4-2. Ady Schmit, um desconhecido, fez um hat-trick. Eusébio amenizou a situação com o primeiro dos 41 golos ao serviço da seleção, uma marca imbatível até 2005, quando Pauleta a superou.

A seleção não foi a esse Mundial, nem ao Europeu que se seguiu, mas a caminhada para novo campeonato do mundo, agora em solo inglês, foi, finalmente, triunfal.

O grupo de apuramento tinha a poderosa Checoslováquia para além da Roménia e da Turquia. Portugal arrancou quatro vitórias seguidas, empatou com os checos no penúltimo jogo e perdeu na Roménia já com o apuramento garantido.

Eusébio fez sete golos na caminhada, incluindo o primeiro hat-trick de quinas ao peito, nos 5-1 à Turquia e tentos decisivos que valeram vitórias sobre romenos (1-0 e 2-1, com bis) e turcos (1-0). 
 
Glória e lágrimas em Inglaterra

Mas seria no Mundial que a excelência do Pantera Negra seria, definitivamente, comprovada. É certo que Eusébio chegou a Inglaterra já com epíteto de Bola de Ouro, ganha no ano anterior. Mas o mundo precisava de uma demonstração cabal da joia portuguesa de raízes africanas. E Eusébio foi excelente.

Em branco no encontro inaugural contra a Hungria, fechou o marcador nos 3-0 à Bulgária e brilhou com dois golos no duelo com o Brasil do amigo Pelé. Portugal seguia para os quartos-de-final onde apanhava a surpreendente Coreia do Norte, que eliminara a Itália.

O jogo parecia um pesadelo, mas transformou-se na melhor exibição de sempre de Eusébio com a camisola da seleção e uma das melhor atuações individuais da história do futebol. Dos 0-3 aos 5-3, com quatro do Pantera Negra. Uma história que qualquer amante de futebol sabe de cor. 
 


Com Inglaterra, nas meias-finais, vieram as lágrimas da eliminação. «Mal o jogo acabou, olhei para o céu e perguntei a Deus: porquê?», contou recentemente. Ponto final no sonho português, mas não na lenda de Eusébio. 
 
De craque dos relvados a símbolo de um país

É verdade que Portugal falhou o apuramento para o Mundial de 1970, no México, e para o Alemanha 74. E Europeus, nem vê-los. Mas  Eusébio, que se despediu com um empate com a Bulgária, em 1973, tinha, um ano antes, voltado a brilhar em grande nível na Taça Independência do Brasil, um torneio prestigiado, também conhecido por Mini Copa. 

Portugal foi à final, perdendo para o Brasil com um golo solitário de Jairzinho, a um minuto do fim. Antes, Eusébio voltara a levar a seleção às costas com mais quatro golos numa caminhada onde seleções como a União Soviética, Argentina ou o Chile ficaram para trás.

A despedida dos relvados não significou, porém, o abandono da seleção. Eusébio passou a ser figura simbólica do espírito de grupo a cada fase final. Um embaixador do bom nome de Portugal que teve como expoente máximo a final perdida em 2004, quando nem a famosa toalha da sorte que o «King» levava consigo para os jogos impediu Charisteas de estragar o sonho de dez milhões.

Eusébio voltou a Inglaterra para o Euro 96, trinta anos depois de mostrar ao mundo o seu mais brilhante cartão de visita. Esteve na Bélgica e Holanda, quatro anos depois. Passou pela Coreia do Sul, pela Alemanha e, mesmo já com a saúde debilitada, não falhou o Europeu 2012, onde a sua imagem a festejar, com Luís Figo, o golo de Cristiano Ronaldo à República Checa correu o mundo.



Três gerações lado a lado. Três figuras ímpares do futebol português e da seleção nacional. O que Figo escreveu e Ronaldo continua a escrever teve, em Eusébio, o ponto de partida. Futebolisticamente falando, foi com ele que nasceu Portugal.

Os números de Eusébio na seleção nacional:

Internacionalizações: 64
Golos: 41 (terceiro melhor registo)
Jogos oficiais: 48
Jogos particulares: 16
Vitórias: 33
Empates: 12
Derrotas: 19
Capitão: 16 ocasiões
Primeira internacionalização: Luxemburgo-Portugal, 4-2 (8/10/61)
Última internacionalização: Portugal-Bulgária, 2-2 (13/10/73)
Primeiro golo: Luxemburgo-Portugal, 4-2 (8/10/61)
Último golo: Irlanda do Norte-Portugal, 1-1 (28/3/73)

Golos de Eusébio na seleção:

Quatro golos: Turquia, Noruega e Coreia do Norte;

Dois golos: Bélgica, Espanha, Inglaterra, Roménia, Dinamarca, Brasil, Grécia e França;

Um golo: Luxemburgo, Bulgária, Checoslováquia, URSS, Itália, Suíça, Escócia, Equador, Irão, Chile, Argentina e Irlanda do Norte.

Distribuição dos golos:

Fases de apuramento: 17 golos
Particulares: 11 golos
Fase final do Mundial: 9 golos
Minicopa: 4 golos

Golos em catadupa:

Póquer: Coreia do Norte
Hat-trick: Turquia
Bis: Espanha, Roménia, Brasil, França e Noruega (duas vezes)