E a cinco dias da estreia os astros vão-se alinhando. Portugal viveu a primeira parte da preparação para o Mundial 2014 num mar de dúvidas. Antes de mais em torno de Cristiano Ronaldo, que passou a parte final da época limitado. Pepe também estava lesionado, era aliás o jogador com a recuperação mais atrasada, tal como Raúl Meireles. A madrugada de quarta-feira no Metlife Stadium de New Jersey começou a afastar as nuvens. Ainda é cedo para ter certezas sobre a real condição física dos três, mas no fim das contas, depois de todas as interrogações, Portugal pode chegar ao Mundial 2014 com todos os jogadores convocados disponíveis, não havendo sobressaltos de última hora. A acontecer, será a primeira vez na era «moderna» de presenças portuguesas em Campeonatos do Mundo, a série que começou em 2002 e já vai na quarta edição. Uma série que é notável de qualquer forma, independentemente do que acontecer no Brasil.

Frente à Irlanda, no último jogo de preparação, Portugal teve Cristiano Ronaldo e Raul Meireles de início, ambos estiveram em campo 65 minutos. Pepe entrou e jogou 25 minutos. Foi um adversário simpático e uma goleada, 5-1, nem de encomenda a fechar o calendário de preparação antes da mudança para Campinas, quartel-general de Portugal para o Campeonato do Mundo.

No dia em que Portugal chegou ao Brasil, a sensação geral é positiva. Longe, por exemplo, do que era há quatro anos antes do Mundial 2010, quando a seleção perdeu Nani por lesão a três dias do início do campeonato, a uma semana da estreia na África do Sul . Uma baixa de peso, a que Carlos Queiroz reagiu com a chamada de Rúben Amorim. Nessa altura Pepe também estava em dúvida devido a problemas físicos, mas recuperou.

Foi mais tranquilo dois anos antes, em 2006, mas também houve uma alteração forçada na convocatória. Bruno Vale tinha sido convocado por Luiz Felipe Scolari, mas lesionou-se no Europeu sub-21 e acabou por ser substituído por Paulo Santos como terceira opção para guarda-redes, numa lista que incluía ainda Ricardo e Quim.

Em 2002 foi agitado, para quem ainda se lembra. António Oliveira incluiu Kenedy na convocatória a 13 de maio, mas pouco mais de uma semana depois, quando a equipa já estava em Macau, rebentou a bomba. O então jogador do Marítimo tinha acusado uma substância proibida, furosemida. Acabou por ser dispensado e substituído por Hugo Viana, que estava a representar Portugal no Europeu sub-21.

Casos e a preparação para Saltillo que acabou em fevereiro 

Viajando mais atrás no tempo, também a lista para o Mundial 86 tinha ficado marcada por um caso, antes de tudo começar. Veloso estava nos 22 convocados, mas um controlo anti-dopong positivo deixou-de fora, substituído por Bandeirinha. Depois aconteceu Saltillo. A confusão no estágio da seleção, a ameaça de greve dos jogadores.

O que nos leva a outro ponto de análise. Antes do México 86, Portugal não fez qualquer jogo de preparação. Melhor dizendo, não fez nenhum jogo desde fevereiro desse ano. Aconteceu Estugarda e o apuramento de sonho em outubro de 1985, depois em janeiro houve um particular com a Finlândia (1-1), a 5 de fevereiro outro com o Luxemburgo (2-0) e a 19 de fevereiro uma derrota com a RDA em Braga (1-3). Depois disso nada. Até Saltillo, onde ficou para a lenda um jogo-treino com... o staff do hotel.

Foi mesmo uma questão de organização, no caso de falta dela, não era questão de serem outros tempos. Se não, compare-se com o Mundial 66, a primeira das presenças de Portugal numa fase final. A equipa que ficou conhecida como «Magriços» fez nada menos que cinco jogos de preparação entre junho e o início de julho: frente a Noruega, Escócia, Dinamarca, Uruguai e Roménia (veja todos os dados abaixo). É recorde no que diz respeito às presenças portuguesas no Mundial.

De resto, se os jogos de preparação servem para chegar a algumas conclusões, 2014 também deixa seguramente boas indicações. Portugal fez três jogos de preparação, tendo sido dois deles frente a mundialistas. Empatou com a Grécia ainda em Lisboa, depois venceu já nos Estados Unidos o México, com um golo ao cair do pano, e por fim goleou a Irlanda.

A reta final da preparação de Portugal para as seis fases finais do Mundial:

1966
12/6, Portugal-Noruega, 4-0
18/6 Escócia-Portugal, 0-1
21/6 Dinamarca-Portugal, 1-3
26/6 Portugal-Uruguai, 3-0
3/7 Portugal-Roménia, 1-0

1986
19/2 Portugal-RDA, 1-3 (foi o último jogo antes do México)

2002
17/4 Portugal-Brasil, 1-1
25/5 China-Portugal, 0-2

2006
27/5 Portugal-Cabo Verde, 4-1
3/6 Luxemburgo-Portugal, 0-3

2010
24/5 Portugal-Cabo Verde, 0-0
1/6 Portugal-Camarões, 3-1
8/6 Portugal-Moçambique, 3-0

2014
31/5 Portugal-Grécia, 0-0
6/6 Portugal-México, 1-0
10/6 Portugal-Irlanda, 5-1

Em 2014 as circunstâncias levaram Paulo Bento a aproveitar os três jogos para fazer várias experiências em relação ao onze, incluindo testar um sistema tático alternativo em 4x4x2. Foi assim frente à Grécia, com Éder a Hélder Postiga juntos na frente de início.  Frente ao México também houve várias experiências, incluindo a utilização de Fábio Coentrão no meio-campo. Com a Irlanda, por fim, Paulo Bento recuperou opções, mas manteve a lógica de testar alternativas, como Ruben Amorim na lateral-direita.

Mas agora, reposta aparentemente a normalidade, não é de esperar que o onze titular frente à Alemanha, no dia 16, apresente alterações significativas em relação à que é a equipa-base de Paulo Bento. A de sempre. Já agora, aproveite para fazer aqui o seu próprio exercício: que onze para Portugal frente à Alemanha?

Para quem não se lembra, há dois anos, no Euro-2012, Portugal estreou-se, precisamente frente à Alemanha, com este onze: Rui Patrício, João Pereira, Bruno Alves, Pepe, Fábio Coentrão; Raul Meireles, Miguel Veloso, João Moutinho; Cristiano Ronaldo, Hélder Postiga e Nani. No último jogo dessa campanha, a meia-final com a Espanha, uma alteração nos titulares, Hugo Almeida em vez de Postiga.

Dois anos mais tarde não mudou, como recordou o Maisfutebol na análise que fez à seleção nacional para a World Cup Experts Network, uma parceria com o jornal «Guardian» e órgãos de comunicação social de todo s os 32 países presentes no Mundial. 

Portugal tem uma seleção experiente, com tudo o que isso implica. Está entre as seleções mais velhas do Mundial, atrás apenas da Argentina. São 28,7 anos de média, entre os 33 anos de Ricardo Costa e os 21 de Rafa. Só há três jogadores com menos de 25 anos, com 30 anos ou mais são nove.

Isto diz também algo sobre as dificuldades que a seleção está a sentir na renovação. Não são de hoje, claro. Entre os jogadores mais novos dos 23 para o Mundial, aquele que parece mais próximo de se apresentar como uma solução sólida para o futuro é William Carvalho. O jovem médio de 22 anos afirmou-se esta época no Sporting com uma maturidade impressionante e não há muitas dúvidas de que um lugar no meio-campo será dele, um dia. Quando chegará o dia iremos ver. Nesta reta final da preparação Paulo Bento colocou-o de início nos jogos com a Grécia e Irlanda, não o utilizou frente ao México.

Esta é a seleção mais experiente de sempre de Portugal numa fase final. Liderada por Cristiano Ronaldo, claro, com 111 internacionalizações, aos 29 anos. É uma excelente idade para ser feliz, claro, mas vai depender de tanto. Antes de mais da sua forma, claro, numa equipa que depende obviamente muito do capitão, que chega ao Brasil com o estatuto de melhor do mundo, coroado pela FIFA.

Mas não é só ele. Há as dúvidas sobre Pepe e sobre Meireles, há uma incógnita em Nani, que jogou pouco no Manchester United ao longo da época, ainda que tenha deixado boa impressão nestes jogos de preparação. Hélder Postiga, mas também Éder e Vieirinha tiveram igualmente épocas muito condicionadas por lesões.

Todas estas questões foram ofuscadas ao longo destes dias pela luz mais forte que é Cristiano Ronaldo. Uma estrela global, que já ultrapassou há muito a dimensão do futebol

Não é que seja a primeira vez que Portugal chega a um Mundial com um jogador a ostentar o principal título anual do futebol internacional. É aliás a terceira. Eusébio tinha ganho a Bola de Ouro em 1965, no tempo em que o prémio era reservado a jogadores europeus, quando fez o que fez no Mundial 1966. E Luís Figo tinha ganho o World Player em 2001, no tempo em que ainda coexistia o prémio da FIFA com a Bola de Ouro (que ganhou em 2000), e foi com esse estatuto que chegou ao Mundial 2002.

Cristiano Ronaldo já tinha vencido por uma vez (foi o único jogador português a vencer os dois prémios no mesmo ano), mas ganhou em 2008, antes de um ano ímpar, sem grandes competições internacionais de seleções. Agora, chega ao Campeonato do Mundo com notoriedade planetária, como nenhum outro antes dele. 

E depois de uma época brutal. Foi ele quem levou Portugal às costas até ao Mundial, com duas exibições do outro mundo no play-off com a Suécia. E acabou a conquistar a Liga dos Campeões com o Real Madrid, no meio do complicado processo da lesão de que continuamos a falar até agora.



Frente à Suécia, Cristiano Ronaldo garantiu que esta seleção portuguesa prolongaria uma série impressionante. Vai em oito fases finais consecutivas, somando Mundiais e Europeus. Para termos uma ideia, só Alemanha, Espanha, Itália e França conseguiram igual.

Será o sexto Mundial de Portugal e, no conjunto dos 23 jogos já disputados, o saldo é de duas meias-finais (em 1966 e 2006), uns oitavos de final (em 2010) e duas eliminações na primeira fase (1986 e 2002).     

A seleção pode sonhar, e com ela os portugueses, tantos dos quais acompanharam a equipa a cada hora no estágio dos Estados Unidos, muitos dos quais estarão no Brasil também, um palco especial para Portugal. A seleção teve nesta quarta-feira um primeiro sinal do que será a sua passagem pelo Brasil, na receção em Campinas e antes de um primeiro treino que já tem lotação esgotada, com sete mil adeptos a ver Cristiano Ronaldo e companhia. 

Mas 2014 reservou à seleção, antes de mais, um grupo muito complicado. Alemanha, Estados Unidos e Gana, por esta ordem (veja aqui o calendário). Três das quatro seleções do grupo estão no «top 15» do ranking da FIFA. Não é uma medida absoluta, mas é uma indicação.

Convém não perder a noção das dificuldades, num país que passa rapidamente da depressão à euforia. Depois da madrugada de New Jersey, a sensação geral é de que agora já está tudo bem. Não será necessariamente assim. Como Paulo Bento, sempre capaz de colocar as coisas em perspetiva, fez questão de frisar no fim do jogo com a Irlanda: «Não nos devemos deixar levar por este resultado. Temos que tirar muitas coisas positivas deste jogo, melhoria em relação a coisas que não fizemos em jogos anteriores, melhoria quer no aspeto ofensivo, quer no aspeto defensivo. Mas não vamos deslumbrados para o Brasil por causa de um resultado volumoso e uma boa exibição.»