Tarantini não é um futebolista comum. A máscara que usa nos jogos e que o destaca dos companheiros não é uma extravagância, mas mera proteção. O médio de 32 anos não se guia pelo histrionismo das vedetas: não tem tatuagens, não usa brincos ou outros adereços, nem tem o penteado da moda. Mas não é a imagem que torna Tarantini um futebolista fora do comum.

Há dois anos, ele, profissional que há nove épocas representa na I Liga o Rio Ave, onde é um dos capitães de equipa, provou que é possível conciliar as exigências da alta competição com a vida académica e concluiu o mestrado em desporto, na Universidade da Beira Interior, com a distinta nota de 18 valores. Porém, o aluno Ricardo José Alves Monteiro, Tarantini nos relvados, é um futebolista fora do comum não apenas por esse feito. E basta atentar neste exemplo para o perceber.

Ontem mesmo, dois dias depois de marcar o golo e contribuir de forma determinante para a surpreendente vitória por 3-1 que roubou ao Sporting a liderança da Liga, ali estava ele, rodeado de amigos, colegas de equipa no Rio Ave e alguns ex-futebolistas para no Auditório Municipal de Vila do Conde apresentar o seu projeto, que tem o intuito de alertar jovens que não chegam a cumprir o sonho de ser futebolistas e até companheiros de profissão para as dificuldades que muitos deles vão enfrentar após a carreira.

Tarantini a festejar o primeiro golo na vitória frente ao Sporting

«A Minha Causa» nasceu assim, como uma plataforma associada ao site tarantini.pt que tem o objetivo de dinamizar palestras educativas junto de clubes e universidades, procurar parcerias para divulgar casos inspiradores que ex-futebolistas que conseguiram ter carreiras noutras profissões, bem como fazer estudos que permitam ter dados concretos sobre o pós-carreira dos jogadores profissionais, algo que não existe em Portugal.

«Acredito que a esmagadora maioria dos jogadores que fazem uma carreira ao mais alto nível por cá não consigam ter um pé-de-meia vitalício. E isso levanta um grande problema que tem que ver com a preparação dos profissionais de futebol para um pós-carreira com estabilidade e independência financeira. Além disso, há que sensibilizar esta nova geração desde cedo para as dificuldades desta profissão. Muitos jovens jogadores pensam que o futebol é um mar de rosas e que vão conseguir chegar lá em cima. Isso é mentira. Só uma pequena parte o consegue. Acredito que será possível encontrar instituições com as quais seja possível fazer parcerias para levar a cabo ações prevenção junto dos jovens atletas e que as entidades ligadas ao desporto se preocupem com aqueles que um dia vão terminar a carreira e que não têm ferramentas para o seu futuro», explica Tarantini, que teve na plateia o selecionador nacional de sub-21, Rui Jorge, que contou também a sua experiência como ex-atleta.

Rui Jorge alerta jovens que «têm dinheiro, mas não estrutura mental»

«Comecei a jogar com 9 anos de idade e quando cheguei aos juniores, com 17 anos, muitos dos meus colegas já tinham saído do futebol e boa parte deles tinha abdicado dos estudos. É uma realidade assustadora, para a qual tentamos alertar os jovens nos clubes e nas seleções, mas é claramente necessário fazer algo mais abrangente e que este projeto é um belo princípio. Por exemplo, alguns jogadores habituam-se a ter dinheiro muito cedo sem terem ainda estrutura mental suficiente para saberem lidar com isso. Uns têm uma família estruturada, mas quando isso não acontece e depois vemos alguns casos que infelizmente todos conhecemos», salienta Rui Jorge.

Tarantini corrobora essa visão e explica que conhece «alguns casos dramáticos de ex-jogadores de futebol que estão a passar dificuldades ou já passaram; muita gente tem problemas em dar a cara», mas também casos de sucesso, fazendo até referência à rubrica do Maisfutebol «Depois do Adeus» para salientar que «mostra casos de jogadores que souberam dar a volta por cima».

São esses casos que inspiram todos os outros, destaca Tarantini, apontando entre outros o exemplo do seu ex-colega e amigo Fábio Faria, ex-defesa-central de Rio Ave e Benfica que abandonou o futebol aos 23 anos devido a uma insuficiência cardíaca. «O Fábio teve de deixar o futebol bem cedo devido a um problema de saúde, mas apesar desse drama soube estar preparado para o que viria a seguir. Recordo-me do que ele disse, então: ‘A vida é mais importante do que tudo o resto’.»