Sim, ele existe e chama-se «Brinca n’Areia».

O «Brinca n’Areia» é o panda do futebol moderno: uma espécie em vias de extinção, de seres fofinhos que nos divertem nos relvados, e dos quais eu serei a sua Greta. Farei greve de fome à porta da FIFA se for preciso, mas no que depender de mim estes magos da revienga inconsequente nunca acabarão.

Infelizmente o futebol atual deixou de ter lugar para os «Brincas n’Areia», artistas que encantam multidões com o seu virtuosismo técnico e falta de objetividade.

Atletas que tanto nos sacam um emocionado «Olé!», como logo a seguir um enfurecido «Ó pá, passa a bola!». Mas essa é a sua génese e a sua beleza.

Porquê rematar quando se pode fintar novamente um jogador que já se fintou três vezes? Porquê marcar golos quando se pode dar baile? Porquê atacar quando se pode fintar meia equipa adversária e pôr as bancadas em delírio?

A realidade é que tudo isto já não se usa. Agora o que interessa é a construção desde a defesa, a construção em posse e a construção apoiada até à área. Ora isto já não é futebol, é o «Mega-Estruturas» do National Geographic.

O futebol mudou.

Antes os jogadores brincavam n’areia, agora comem a relva.

Antes faziam vírgulas, agora querem os três pontos.

Antes faziam trivelas, agora fazem transições.

Antes metiam cuecas, agora metem gelo no jogo.

O que antes era magia, agora é cada vez mais um bocejo.

Não contem comigo para isto. Por mim este futebol sem alma não vingará, em honra dos «Brincas n’Areia» ainda existentes em Portugal, em Espanha ou no Brasil.

O que vamos dizer ao Rodinei Maravilha, médio do Santos Capivara que vem cheio de vontade de partir os rins aos adversários?

«Rodinei, quando o lateral fizer o overlap pela linha, preciso que bascules por dentro e faças a compensação ao pivot na zona central em bloco médio-baixo, pronto para sair em transição ofensiva com um passe de rutura para o eixo da defesa.»

Depois de o Rodinei se suicidar, quem é que vai explicar à sua família que ele faleceu devido a complicações táticas? Eu não tenho coragem para dar essa notícia a uma mãe. Preferia dizer que ele tinha sido colhido pela máquina de cortar a relva, sempre era mais digno.

Não, os «Brincas n’Areia» não podem desaparecer, a bem do desporto-rei. Porque o futebol sem fintinhas desnecessárias e sem números de circo não é futebol, é o campeonato da Islândia.

Por isso lanço o apelo aos Cristianos Ronaldos, aos Messis, aos Ibrahimovics e aos Salahs: por favor, procriem com mulheres palhaças. Os brinca n'areia ficam assegurados.

«Pulga maldita» é um espaço de escrita criativa de Pedro Sepúlveda, copywritter da TVI, que escreve aqui às quartas-feiras de quinze em quinze dias. Siga o trabalho dele no Facebook